O filme O Corvo, de 1994, ficou tristemente marcado pela morte do ator Brandon Lee, alvejado acidentalmente por um tiro durante as filmagens. Em trágica coincidência, ele se casaria poucos dias antes de morrer. E, na trama, seu personagem Eric Draven e Shelly Webster (Sofia Shines) são brutalmente assassinados por uma gangue um dia antes de se casarem. Um ano depois, Eric retorna do seu túmulo para se vingar.
Mas essa adaptação da comic book de James O’Barr merece destaque além do evento trágico. Egresso do universo dos videoclipes, o diretor Alex Proyas construiu um visual belíssimo nessa sua estreia em longas. Em perfeita sintonia com a história sombria, Proyas mergulha o cenário em uma grande metrópole, violenta e suja como a Nova York decadente dos anos 80. Acrescente a isso que praticamente todas as cenas acontecem à noite, sob chuva. A exceção, devidamente destacada, é o sol que surge quando o renascido Eric resolve se apresentar para Sarah (Rochelle Davis), a menina que passava bastante tempo no apartamento do casal antes do assassinato.
Assim, escuro e úmido, O Corvo adquire um tom gótico, realçado pela arquitetura urbana antiga, que lembra Batman (1989), de Tim Burton. A cena em que Eric desenha no chão com fogo os contornos de um corvo acentuam essa aproximação. Além disso, a própria figura do protagonista soturno e calado remete ao super-herói da DC idealizado por Burton.
Direção, música e coreografia
O diretor Proyas aproveita o símbolo alado (o corvo, origem do poder sobrenatural no enredo) para filmar várias sequências com a câmera voando entre os prédios antigos, mostrando, assim, o estado caótico da cidade. O diretor capricha, igualmente, em criar planos impactantes, como a visão de cima para baixo, se deslocando sobre a mesa onde a gangue se reúne com seu líder. Recurso similar ao que emprega na parte final, adentrando a igreja, palco do desfecho desta fábula gótica.
Na questão sonora, a vivência anterior de Proyas garante uma adequada escolha da trilha musical. O rock (The Cure, Stone Temple Pilots, Nine Inch Nails, Rage Against The Machine, Pantera e outras bandas) embala o filme em simbiose, inclusive com músicos tocando no palco dentro do filme. Fazem parte do mesmo ambiente underground, tão inseridos quanto o Yardbirds na swinging London de Blow Up (1966), de Michelangelo Antonioni.
As cenas de ação de O Corvo trazem as saudosas lutas coreografadas, que eram o comum antes da onda de montagem ágil com vários cortes que duram segundos (ou milésimos) que predominaria nos filmes com super-heróis. Brandon não possui a fenomenal agilidade do seu pai, Bruce Lee, mas não desaponta. E, hoje, desperta certa nostalgia em relação a esse modo de registrar combates.
Outros belos momentos atestam a qualidade do diretor neste projeto. Entre eles, a opção de contar a história do amor do casal, bem como o crime fatídico, através de rápidos flashes que surgem para Eric após a ressurreição. E o congelamento do quadro que encerra algumas cenas, convidando o espectador à reflexão,
Passados 30 anos, a tragédia ocupa a posição de registro da História. Sobrevive, na obra, a concepção artística que na época ficou em segundo plano, obscurecida por evento tão chocante.
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Ficha técnica:
O Corvo | The Crow | 1994 | 102 min | EUA | Direção: Alex Proyas | Roteiro: David J. Schow, John Shirley | Elenco: Brandon Lee, Rochelle Davis, Ernie Hudson, Michael Wincott, Bai Ling, Sofia Shinas, Anna Thomson, David Patrick Kelly, Angel David.