Em seu terceiro longa-metragem, a diretora Anna Novion resolve questões difíceis de serem filmadas. O Desafio de Marguerite (Le Théorème de Marguerite) leva para as telas a ciência da matemática, em seus patamares mais avançados. Assunto digerível apenas por pesquisadores acadêmicos altamente especializados, mas a cineasta extrai daí o que se comunica com todos os espectadores: a paixão de uma pessoa pelo assunto que ela mais gosta. E, vai além, ampliando isso para a paixão pela vida.
No entanto, o enredo contrapõe essa paixão com a obsessão. A dedicação extrema da protagonista, a jovem acadêmica Marguerite (Ella Rumpf), pode conduzí-la à solução da teoria que estuda, mas também a isola do mundo social. No desenrolar da trama, ela se liberta dessas amarras que a prenderiam a um destino similar ao lado doentio de John Nash, matemático retratado em Uma Mente Brilhante (A Beautiful Mind, 2001), de Ron Howard.
E a diretora Anna Novion, por sua vez, não se confina a repetir os truques desse filme americano vencedor de quatro Oscars. Somente em uma cena vemos uma montagem com a protagonista enquadrada atrás de equações matemáticas, recurso exaustivamente utilizado por Ron Roward em seu longa. No restante de O Desafio de Marguerite, as equações estão nas lousas, iluminadas com cores diferentes sobre o giz. Destaca-se, ainda, um insight que surge magicamente nas peças do jogo chinês mahjong. Aliás, a cineasta também evita entrar nas regras desse jogo que poucos conhecem.
A emoção sobre a razão
Da mesma forma, evita se restringir ao raciocínio lógico e exato. Até se afasta dele, defendendo que a solução para Marguerite está no seu emocional. Nesse processo, ela acaba dividindo um apartamento com uma dançarina, Noa (Sonia Bonny). Ou seja, uma artista, portanto o oposto do que representa a protagonista. E a dança (cena comum no cinema francês contemporâneo) serve justamente para destravar a estudante de matemática. Uma cena engraçada e terna, na manhã seguinte ao sexo com um desconhecido, revela Marguerite arriscando uma descontração na loja onde trabalha. O filme mostra que ela resolve o teorema do seu trabalho, e também sua vida pessoal, ao se afastar por uns dias na casa da mãe no campo. A obsessão a levava para o fracasso, mas admitir que está apaixonada a liberta.
Pode não ser o arco de personagem mais original que possa existir, mas o filme consegue emocionar nessa consistência. Principalmente com a bela interpretação da atriz Ella Rumpf, que encarna Marguerite com total autenticidade. Sem recorrer a artificialismos para a transformar em princesa, ela convence tanto em sua versão nerd como em sua versão mulher atraente, sem ter que mudar nada em seu figurino, cabelo ou maquiagem. Palmas para Ella Rumpf e para Anna Movion.
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Ficha técnica:
O Desafio de Marguerite | Le Théorème de Marguerite | 2023 | 112 min | França, Suíça | Direção: Anna Novion | Roteiro: Anna Novion, Marie-Stéphane Imbert, Agnès Feuvre, Mathieu Robin | Elenco: Ella Rumpf, Jean-Pierre Darroussin, Clotilde Courau, Julien Frisson, Sonia Bonny, Xiaoxing Cheng, Idir Azougli.
Distribuição: Synapse.
Gostou? Então, ouça a nossa entrevista com a diretora Anna Novion sobre O Desafio de Marguerite, em sua visita para o Festival Varilux 2023: