Diretor de vários gêneros, Kiyoshi Kurosawa investe no drama em O Fim da Viagem, o Começo de Tudo (2019). A trama acompanha uma sucessão de eventos desapontadores que a protagonista Yoko (Atsuko Maeda) enfrenta enquanto está no Uzbequistão para gravar uma reportagem sobre o país para a TV japonesa.
Sentindo-se isolada como a única mulher dentro da pequena equipe de filmagem, ela se esforça por desempenhar bem o papel de apresentadora desse material. Assim, aceita todas as ordens, como entrar num lago para gravar com a água na cintura, comer uma refeição malcozida, ou dar várias voltas num pêndulo giratório em um pequeno parque de diversões. Para relaxar um pouco, tenta sair sozinha para passear, mas se perde na cidade desconhecida na qual não fala o idioma local. Anda sozinha por ruas vazias e escuras, é expulsa de um teatro e ainda perseguida pela polícia por supostamente filmar em locais proibidos.
Num raro momento em que pode se manifestar, Yoko se empolga porque a produção aceita uma sugestão sua. A equipe registrará a libertação de um carneiro mantida em cativeiro sozinho. Ela acredita que fará um bem para ele, soltando-o nas montanhas. Porém, após a soltura, a ex-dona lhe conta que ele provavelmente morrerá atacado por cachorros ou por caçadores. Nada parece dar certo para a protagonista, e ela mesmo confessa sua desmotivação para o diretor do programa. Segundo Yoko, seu maior desejo é se tornar cantora (o que nós já percebêramos no segmento em que ela se imagina cantando no teatro). Ou seja, todas essas desventuras no Uzbequistão parecem ser um reflexo da vida da moça, ainda perdida na vida, e longe de seu sonho maior.
Uma questão de atitude
É como aquela analogia de enxergar o copo meio cheio ou meio vazio. Na verdade, nada de grave realmente acontece com Yoko. O que, aliás, como efeito dramático trabalha contra o filme, pois a trama provoca a emoção do público, mas nada impactante acontece. A sequência da perseguição policial representa bem esse efeito. Os guardas a abordam em língua local, ela não entende nada, mas percebe que filmou o que não devia. Então, foge pelas passagens subterrâneas da cidade, joga fora a filmadora, mas é capturada. Por fim, na delegacia, descobre-se que ela não tinha captado nada proibido. Na verdade, sua reação pessimista e desesperada provocara toda essa confusão.
Mas, O Fim da Viagem, o Começo de Tudo se constitui de vários desses eventos nos quais a protagonista se angustia sem nunca realmente ficar em perigo. Enfim, nos últimos minutos, o espectador insistente é recompensado com a dose de ânimo que colocará Yoko no rumo certo, “ao fim da viagem”. Em mais uma aparente enrascada que não trará nenhum benefício, nem para ela nem para a reportagem, ela vê, de longe, aquele carneiro que ela soltou. Contrariando o pressentimento de sua ex-dona, o animal não virou vítima dos cachorros ou dos caçadores. E, está lá, livre, no alto da montanha, graças à intervenção de Yoko. Ao testemunhar pelo menos um ato seu que dá certo, ela se enche de ânimo e, simbolicamente, começa a cantar. Assim, compreendemos que ela, finalmente, está determinada a seguir seu sonho de ser cantora.
Mas, para o público, é pouco. Demora muito para acontecer essa atitude transformadora da protagonista. Se o filme fosse mais enxuto, talvez funcionasse.
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Ficha técnica:
O Fim da Viagem, o Começo de Tudo | Tabi no owari sekai no hajimari | 2019 | Japão/Uzbequistão/Catar | 120 min | Direção e roteiro: Kiyoshi Kurosawa | Elenco: Atsuko Maeda, Shota Shometani, Tokio Emoto, Adiz Rabajov, Ryo Kase, Muyassar Berdiqulova, Maruf Otanojof.
Distribuição: Zeta Filmes