Já consagrado como um diretor com enorme sensibilidade artística, em O Grande Mestre Wong Kar-Wai retorna ao filme de ação que o introduziu ao cinema. O resultado é visualmente arrebatador, mas com um ritmo desbalanceado. Entre as cenas de luta, Wong Kar-Wai faz questão de inserir poesia, um espaço para o romance para a melancolia pelas transformações que eliminaram a tradição das várias escolas de artes marciais na China.
O fio condutor possui um forte apelo popular, inclusive para o público ocidental. Afinal, o filme conta a história de Ip Man, o mestre de Bruce Lee. A primeira cena é deslumbrante, e eleva as expectativas do espectador. O ano é 1936, o local a cidade de Foshan, no sul da China. O Ip Man enfrenta e derrota vários adversários. Todos vestem roupas pretas, mas o Ip Man possui um chapéu branco que o distingue dos outros. Mas este é apenas o detalhe mais simples do visual. A chuva torrencial, a luta contra o grupo seguida do embate um a um contra um lutador poderoso, o diversificado uso de recursos para tornar a cena visualmente deslumbrante, enfim, tudo revela o toque de um cineasta genial.
O amor entre as lutas
A chuva retorna em outra bela cena de luta, mas o momento que melhor une o poético com o duele de artes marciais acontece em ambiente interno. O Ip Man enfrenta Gong Er, a herdeira da técnica das 64 mãos. O futuro mestre de Bruce Lee sofre sua única derrota, mas o motivo não é meramente técnico. Durante a luta, em um golpe no qual a lutadora passa por cima do Ip Man, seus rostos quase tocam, como num beijo que nunca acontece. Esse plano se repete na tela, para marcar o ponto no qual os dois se apaixonam. Então, ao tentar evitar a queda de Gong Er, o Ip Man comete um deslize que decreta sua derrocada.
Mas O Grande Mestre não é apenas um filme de ação. O amor entre Ip Man e Gong Er atravessa décadas, e durante esse tempo a China se transforma. Em 1938, o Japão invade o país, e o Ip Man se recusa a servir os inimigos, decretando a sua falência e a posterior separação de sua esposa, bem como a perda dos filhos. Da mesma forma, Gong Er sofre seu revés, agravado ainda pela morte do pai pelo melhor lutador do norte, Ma San, a quem enfrenta para se vingar. Gong Er sucumbe ao ópio, enquanto Ip Man se muda para Hong Kong, onde encontrará sua redenção transmitindo seus conhecimentos (Bruce Lee não entra nessa história, salvo pela cartela na conclusão com uma frase sua).
Melancolia
Esses momentos melancólicos impõem um outro ritmo ao filme. Nesse quesito, as imagens poéticas possuem beleza sublime, mas podem cansar o público. Isso porque O Grande Mestre apresenta suas fraquezas. Os provérbios com analogias parecem óbvios demais, como aquele que toma o fogo no preparo da comida como metáfora para o processo de saber esperar o momento certo. Por outro lado, apresenta informações históricas em excesso, e ainda acelera demais em momentos em que lança uma sentença que pede uma reflexão.
Em seu último filme, até o momento, Wong Kar-Wai cria cenas de ação como o incomparável visual artístico que desenvolveu ao longo de sua carreira. A poesia característica está nos trechos dramáticos, tentando equilibrar o ritmo acelerado das lutas e as passagens melancólicas, mas sem acertar suas doses. Ainda assim, uma obra que atesta um talento superior.
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Ficha técnica:
O Grande Mestre | Yi dai zong shi | 2013 | 130 min | Hong Kong, China | Direção: Wong Kar-Wai | Roteiro: Jingzhi Zou, Haofeng Xu | Elenco: Tony Chiu-Wai Leung, Ziyi Zhang, Jin Zhang, Chang Chen, Cung Le, Qingxiang Wang, Elvis Tsui, Song Hye-Kyo.