John Ford comprova sua versatilidade na divertida comédia policial urbana O Homem Que Nunca Pecou.
Para isso, Ford conta com dois astros em atuações especialmente inspiradas. De um lado, Edward G. Robinson parodia a si mesmo interpretando dois papéis: o perigoso bandido Manion e o seu sósia, o recatado Arthur Ferguson Jones. Além dele, o filme traz como protagonista a indomável Wilhelmina Clark, vivida pela astuta Jean Arthur.
A trama
O inofensivo Jones é confundido com o assassino Manion, que estampa as manchetes dos jornais. Após intenso interrogatório na delegacia, Jones consegue convencer a polícia de que não é o criminoso. Então, para evitar que ele enfrente esse problema novamente, o delegado escreve uma declaração atestando que ele não é Manion.
Porém, o tiro sai pela culatra. O bandido se aproveita disso, vai até o apartamento de Jones e o força a lhe emprestar a carta durante as noites. Dessa forma, ele pode cometer seus crimes e fingir que é Jones, caso a polícia o aborde.
Hilariante
A primeira parte do filme é a mais engraçada. Principalmente, porque os dois personagens principais são hilariantes. E compõem uma dupla de opostos, o que é comprovadamente funcional para a comédia. Eles trabalham na mesma empresa. Jones é o funcionário certinho, que nunca se atrasa, e por isso vai até ganhar um aumento. Por outro lado, a Srtª Clark é a folgadona do escritório. Chega tarde, coloca os pés sobre a mesa e enrola mais do que trabalha. Apesar disso, Jones é secretamente apaixonado por ela.
Há momentos em que é difícil conter as gargalhadas. Por exemplo, quando a personagem de Jean Arthur, cansada de afirmar que seu colega não é o criminoso, decide responder ao inquérito debochando da polícia. A piada funciona porque nós, espectadores, sabemos mais do que os investigadores bobalhões.
Talvez a única falha do filme seja a inesperada crueldade de Jones perto do final. Quando os bandidos pensam que Jones é o chefe deles, ele ordena que matem Manion. É uma mudança tão radical que pega o espectador de surpresa e quase destrói a empatia construída durante a história.
A direção
John Ford imprime um ritmo muito ágil ao filme, próprio das screwball comedies da época. Nesse sentido, se destaca a sequência rápida de manchetes de jornais que se sobrepõem na tela, acelerando a narrativa. Outra montagem interessante é aquela com vários flashes de câmeras fotográficas que atordoam Jones na saída da delegacia.
Mais um momento de soberba direção é o plano inicial quando a câmera desliza lateralmente filmando os vários postos de trabalho. Dessa forma, Ford expressa o quão burocrático e sem graça é esse ambiente, onde cada indivíduo é apenas mais um do quadro de empregados. Aliás, isso se comprova mais tarde quando o diretor não reconhece Jones na delegacia. Enfim, logo depois da apresentação da sala da empresa, ao revelar a rotina matinal do metódico Jones, sabemos que o personagem se encaixa perfeitamente naquele ambiente de trabalho.
Em suma, num gênero diferente, John Ford permite que palpite mais forte sua veia cômica, presente em doses menores em praticamente todos os seus filmes.
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Ficha técnica:
O Homem Que Nunca Pecou |The Whole Town’s Talking | 1935 | EUA | 93 min | Direção: John Ford | Roteiro: Jo Swerling, Robert Riskin | Elenco: Edward G. Robinson, Jean Arthur, Arthur Hohl, James Donlan, Arthur Byron, Wallace Ford, Donald Meek, Etienne Girardot, Edward Brophy, Paul Harvey.