Adaptação do livro de Clarice Lispector, O Livro dos Prazeres traz um recorte da vida de uma mulher perto dos 30 anos diante de uma inevitável avaliação existencial.
Antes de mais nada, “Uma Aprendizagem ou Livro dos Prazeres” foi publicado em 1969, mas o filme atualiza sua estória para os dias de hoje. Nela, Lóri pertence a uma família rica do interior, e se muda sozinha para o Rio de Janeiro, para habitar o grande apartamento de frente para a praia que herdou da mãe. Trabalha como professora do primário e pratica sexo casual habitualmente, sempre que tem vontade.
Quando o professor de filosofia argentino Ulisses tenta conquistá-la, ela se esquiva. Convidada para ir até a casa dele, Lóri recusa e prefere se masturbar em casa. O que a intimida não é o sexo, mas a provocação existencial que vem de Ulisses. E que ela gostaria de evitar.
A direção
Essencialmente, a cineasta Marcela Lordy filma O Livro dos Prazeres mantendo a direção presente, fazendo escolhas e não apenas seguindo no automático. Na primeira cena, a câmera se movimenta em direção à personagem principal, que está em sua mesa de professora na sala de aula. Esse fluxo indica que exploraremos o íntimo da protagonista, e é isso que a trama apresenta nas três partes que compõe o filme.
Além disso, as composições das cenas dizem bastante sobre o que se passa com a protagonista. Nesse sentido, na cena da masturbação, vários espelhos ao redor dela revelam o quanto ela está dividida por dentro. E ela procura reflexos de sua vida nas memórias que sua mãe deixou num caderno de anotações, esperando que esse passado familiar possa guiá-la nesse momento em que ela não sabe que rumo tomar.
Então, a dor existencial de Lóri se torna cada vez mais difícil para ela suportar. E a dificuldade de se encontrar fica estampada em sua maquiagem exagerada, que esconde sua verdadeira face como uma máscara.
Virada
Então, o momento da virada surge após a crise mais forte. O professor de educação física se torna mais uma opção para o sexo, mas quando ela tenta expressar o que sente, ele nem percebe que ela está falando em terceira pessoa sobre ela mesmo. O comentário simplório dele para sua inquietação, “espero que ela saia dessa”, a desperta para o que é inevitável. Certamente, ela necessita mergulhar no relacionamento com o filósofo e resolver as questões que ele provoca.
Enfim, para demonstrar a mudança da personagem, o filme a coloca realizando o que se recusava a fazer. Nesse intuito, tira a maquiagem, dança, entra na água do mar, come galinha ao molho pardo. E, claro, aceita se relacionar com Ulisses.
Na conclusão, a apresentação dos créditos finais é inusitada, talvez até inédita. Afinal, os nomes surgem na tela durante a cena de sexo entre Lóri e Ulisses, e se estendem até o final da lista dos créditos principais. Aliás, essa opção é um exemplo da escolha da diretora em filmar com um estilo solto, que evita que a densidade de O Livro dos Prazeres o torne pesado demais.
Ficha técnica:
O Livro dos Prazeres (2020) Brasil/Argentina, 99 min. Dir: Marcela Lordy. Rot: Josefina Trotta e Marcela Lordy. Elenco: Simone Spoladore, Javier Drolas, Felipe Rocha, Gabriel Stauffer, Martha Nowill, Teo Almeida, Leandra Leal, Julia Leal Youssef, Ana Carbatti.
Assista: entrevista com Marcela Lordy na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Distribuição: Vitrine.