O desconfiômetro dispara quando vemos um filme sem ninguém creditado como diretor, porque, com certeza, algum problema aconteceu. Antigamente, costumávamos encontrar o pseudônimo Alan Smithee na função, quando o profissional que assumiu a direção não queria seu nome envolvido no trabalho, em muitos casos porque o resultado fora alterado pelos produtores.
Na animação O Parque dos Sonhos, a lacuna na direção se deve ao fato de o diretor original, Dylan Brown, ter sido acusado de má conduta sexual com seus colegas de trabalho e, por isso, removido do projeto. A função ficou nas mãos de Clare Kilner, Robert Iscove e David Feiss, que trabalharam em conjunto, mas seus nomes também não constam nos créditos. Aparentemente, os pais de fato de O Parque dos Sonhos são os roteiristas e coprodutores Josh Appelbaum e André Nemec.
O enredo
A essência da história que criaram é promissora. June, uma menina muito criativa, constrói um parque de diversões imaginário com brinquedos incríveis, com animais como os principais responsáveis. Sua mãe a incentiva e é a fonte de inspiração para ela. Mas, sua mãe fica gravemente doente e precisa passar um tempo fora para se tratar. Triste, June entra em depressão e desiste do seu parque imaginário.
Durante uma excursão com a escola, ela resolve voltar para a casa e, no caminho, se depara com a materialização do parque, onde os animais que cuidam dele precisam de sua ajuda para impedir que centenas de criaturazinhas o destruam. Então, a metáfora é clara. Ou seja, a luta de June para salvar o parque representa seus esforços internos para combater sua depressão.
Desenvolvimento falho
Contudo, essa ideia promissora não foi desenvolvida quando se transformou em roteiro. O Parque dos Sonhos começa muito bem, quando a alta carga de entusiasmo de June e o maravilhoso parque entra em contraste com a notícia da enfermidade da mãe. Há um apelo emocional muito forte, e nos primeiros quinze minutos, a plateia vai ao choro. A partir daí, porém, quando June entra na jornada no parque materializado para combater as criaturas que querem destruí-lo, o filme degringola. A sucessão de acontecimentos parece aleatória, não dá para compreender quais etapas June precisa percorrer para alcançar seu intento. Aliás, até mesmo o encontro com o suposto salvador, o chimpanzé, acontece sem querer.
Apesar de o público facilmente se identificar com June, principalmente pelo drama que vive pela doença da mãe, os personagens animais – urso, chimpanzé, porco-espinho, e outros – carecem de graça e não possuem personalidades próprias individualizadas, a não ser algumas características peculiares que tentam criar humor. E é importante contar também com coadjuvantes interessantes, porque são fundamentais para que a aventura se torne mais envolvente.
Enfim, precisamos despender um enorme esforço para acompanhar esse miolo da estória de O Parque dos Sonhos, justamente a jornada para salvar o parque, que deveria ser a parte mais emocionante do filme. Assim, o desconfiômetro se justifica. Literalmente, e na prática também, sem direção, O Parque dos Sonhos parte de uma boa ideia, mas que não é desenvolvida satisfatoriamente.
Ficha técnica:
O Parque dos Sonhos (Wonder Park, 2019) Espanha/EUA. 85 min. Rot: Josh Appelbaum, André Nemec. Vozes de: Brianna Denski, Jennifer Garner, Ken Hudson Campbell, Kenan Thompson, Mila Kunis, John Oliver, Ken Jeong, Norbert Leo Butz.