A sensibilidade triunfa no envolvente O Piano.
Esse genial filme escrito e dirigido pela neozelandesa Jane Campion ganhou os Oscars de melhor roteiro original, atriz (Holly Hunter) e atriz coadjuvante (Anna Paquin, na época com apenas nove anos) e a Palma de Ouro em Cannes. Além disso, foi indicado pela Academia em mais cinco categorias, incluindo filme e diretora, acumulando 64 prêmios e 56 indicações em diversos festivais e eventos.
O Piano é envolvente do início ao fim. Possui um clima de tensão e sensualidade que prende o espectador em sua estória fortemente original. E um dos fatores essenciais para tal efeito está na construção da personagem principal, Ada McGrath, brilhantemente interpretada por Holly Hunter.
Nova Zelândia, século 19
A estória se passa em meados do século 19. Ada é uma mulher muda que vive com sua filha Flora (Paquin) na Escócia. Seu pai lhe arranja um casamento com um dono de terras na longínqua e ainda selvagem Nova Zelândia. É para lá que ela parte com a filha e seus pertences, dentre eles, seu estimado piano, que ela toca constantemente. Esse prólogo é acompanhado pela narração da protagonista, com voz de criança, refletindo o fato de ela ter parado de falar aos 6 anos. Com isso, essa voz infantil acrescenta um elemento de inexperiência essencial para a personagem, que amadurece durante o filme.
Logo após sua chegada, Ada percebe a insensibilidade do marido, Alisdair Stewart (Sam Neill), que acaba de conhecer. Além de se atrasar um dia para ir buscá-las na praia, ele se recusa a levar o piano para casa. Em um dos vários trechos de atuação inspirada de Holly Hunter, a vemos de cima da colina, olhando para o instrumento musical abandonado na praia, tão à mercê daquela terra desconhecida quanto ela.
Entra George Baines
Então, se torna proeminente a presença de George Baines (Harvey Keitel), um morador da região que trabalha nas plantações. Encantado com a recém-chegada mulher, ele adquire o piano de Alisdair, em troca de um pedaço de terra. Dessa forma, coloca em prática seu plano de ficar perto de Ada, sob o pretexto de ela lhe dar aulas de música. Ada aceita porque, após uma combinada quantidade de aulas, George lhe dará o piano. Aos poucos, ele seduz a mulher, e consegue dela o sexo que ela nunca permitiu ao marido.
O filme trabalha magistralmente o contraste entre George e o marido Alisdair. Apesar de não ter recebido educação – ele não sabe ler – George possui sensibilidade. Por isso, convive harmoniosamente com os nativos, os Maoris. Acima de tudo, é sua sensibilidade que conquista Ada.
Já Alisdair, apesar das maneiras educadas, possui espírito bruto. Ele é incapaz de demonstrar apreciação pela música que Ada toca ao piano, e suas irmãs comentam que essas peças, que são clássicos, não são tão boas quanto as canções simples da escola. No mesmo sentido, ele trata mal os Maoris, como se fossem escravos. Além disso, ele é possessivo e machista. Primeiro, porque seu ciúme em relação à esposa se deve mais à possibilidade de perder algo que lhe pertence. Adicionalmente, ele sente seu orgulho de macho ferido, porque o outro homem conseguiu levar a sua mulher para cama e ele não. Além disso, ele é tão machista que não aceita quando Ada toma a iniciativa para satisfazer os impulsos sexuais dela. Aliás, o fato de ele deixar Ada ir embora com George prova que ele não sente nada por ela.
A força de Ada McGrath
Por outro lado, Ada é uma personagem extremamente forte. Tanto que, com um olhar, afasta o marido quando este tenta estuprá-la enquanto ela ainda está convalescendo. Aliás, a protagonista é tão elevada que não julga a filha que, num ato inocente de criança, acaba prejudicando-a. E, mesmo sendo uma mulher do século 19, ela assume a posição ativa ao buscar saciar seus impulsos sexuais com o marido, já que não pode ver o amante.
Algumas imagens se destacam em O Piano. Por exemplo, quando Ada toca o piano na praia alguns dias após chegar ao novo país. É a primeira vez que a vemos sorrir no filme, expressando os parênteses de felicidade que encontra após chegar a esse lugar hostil. Outra imagem marcante é a filha com a fantasia com asas, simbolizando a sua inocência ao causar, sem querer, mal à mãe.
Adicionalmente, temos a ligação entre o teclado do piano, onde Ada grava sua mensagem de amor para George, e o dedo que é violentamente cortado. Os dois simbolizam obstáculos para tocar o instrumento que tanto satisfaz Ada. Porém, agora ela encontra o amor e o coloca acima da música. Por isso, ela escolhe viver, na emblemática cena final da viagem de barco.
Por fim, O Piano é um drama romântico tão poderoso quanto os clássicos imortais da literatura. De fato, sua estória parece fruto do próprio século 19 em que ela se desenrola.
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Ficha técnica:
O Piano (The Piano) 1993. Nova Zelândia/Austrália/França/EUA. 121 min. Direção e roteiro: Jane Campion. Elenco: Holly Hunter, Harvey Keitel, Sam Neill, Anna Paquin, Kerry Wallker, Geneviève Lemon.
Distribuição: Miramax.