Baseado em eventos reais, O Relatório (The Report) carrega uma seriedade que o aproxima de um documentário jornalístico. Mas o formato narrativo ajuda a acompanharmos as investigações de Daniel Jones (Adam Driver) para a senadora Dianne Feinstein (Annette Bening) sobre o Programa de Detenção e Interrogatório da CIA. Ainda que o longa seja essencialmente um filme de gabinete (no qual o protagonista entra e sai dos gabinetes de sua chefe e de outros políticos para tentar encaminhar suas descobertas), o assunto é tão forte que mantém o interesse durante todas as suas duas horas de duração.
Paranoia
Após os atentados de 11 de setembro de 2001, o clima de paranoia predominava nos Estados Unidos. A fim de prevenir novos ataques, a CIA contrata dois supostos especialistas em interrogatórios, James Mitchell (Doulgas Hodge) e Bruce Jessen (T. Ryder Smith), para obter informações dos presos políticos suspeitos de estarem ligados ao Al-Qaeda. Na verdade, conforme o filme revela, era tudo balela. Os dois não tinham nenhum estudo nem experiência no assunto, eram apenas dois dos muitos americanos com sede de vingança. O que, de fato, conduziam representava tortura, em diversas novas modalidades, como impedir o sono (daí o uso de thrash metal em outros filmes de guerra), dependurar a vítima no teto com fraldas, induzir ao afogamento e outras práticas escandalosamente desumanas.
Por esse motivo, O Relatório traz imagens de extrema violência. Mostra o que acontecia nesses black sites, mesmo que o protagonista Daniel Jones nunca as testemunhe. Mas suas investigações provaram que isso, sem dúvida, acontecia, por isso o filme não teme em colocar dessa forma, como sendo reais. A narrativa se desdobra em apontar o esforço hercúleo de Jones e sua reduzida equipe de dois assistentes em levantar um relatório gigantesco que fosse irrefutável, bem como em sua luta para que o trabalho não fosse engavetado por força dos poderosos envolvidos nessa barbárie. Aliás, se a CIA foi capaz de grampear os telefones de pessoas como Marilyn Monroe, imagine o que ela não fez para denegrir a imagem de Jones.
Os fins não justificam os meios
O filme reverencia também a coragem da senadora Dianne Feinstein. Experiente, ela soube lidar com os interesses conflitantes dos políticos para assegurar que o relatório obtivesse resultados concretos. Não conseguiu punir os envolvidos, mas pelo menos levou à Emenda Antitortura McCain-Feinstein sancionada em 2015. Mas foi determinante que Daniel Jones provasse que o método de Mitchell e Jessen nunca teve eficácia. Nesse sentido, a CIA alegou que o processo levou à localização de Bin Laden, mas Jones conseguiu desmentir essa versão. Em determinada cena, O Relatório mostra Jones vendo um trailer do filme A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty, 2012), numa clara crítica ao longa de Kathryn Bigelow, lançado pouco antes da reeleição de Barack Obama. Afinal, como a secretária da senadora Fenistein comenta para Jones, a morte de Bin Laden garantiu a vitória de Obama.
O diretor do filme, Scott Z. Burns, costuma trabalhar mais como roteirista e na direção de episódios de séries. Em O Relatório, seu segundo longa, usa bastante a câmera trêmula para dar a impressão de um tom documental. Consegue, principalmente, filmar as torturas com bastante realismo, mostrando o suficiente para provocar repúdio em qualquer espectador com o mínimo de humanidade. Acerta ao não cair no sadismo exploratório. Nas cenas de gabinete, procura movimentar a câmera no início de cada plano, para evitar que um aspecto teatral. O uso de uma trilha musical que lembra a série House of Cards é providencial.
A intenção, mais do que válida, de Burns é lançar uma obra que exponha globalmente esse terrível episódio da História dos Estados Unidos. 119 presos foram interrogados dessa forma desumana. Se os interrogatórios tivessem obtido informações importantes, seriam justificáveis? Jamais, e o filme responde com o discurso do senador John McCain, e com o idealismo de George Washington, do qual os Estados Unidos se afastaram cada vez mais.
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Ficha técnica:
O Relatório | The Report | 2019 | EUA | 119 min. | Direção e roteiro: Scott Z. Burns | Elenco: Adam Driver, Annette Bening, John Hamm, Linda Powell, Michael C. Hall, Sarah Goldberg, Douglas Hodge, Fajer Kaisi, Ted Levine, Jennifer Morrison, Tim Blake Nelson, Matthew Rhys, T. Ryder Smith, Corey Stoll, Maura Tierney.
Distribuição: Diamond Films
Trailer aqui.