Dentro da cinematografia indiana, O Sedento (Pyaasa) foge do arquétipo tal como percebido pelo público ocidental. Afinal, não é um épico histórico com aventura, comédia e repleto de números musicais grandiosos. Pelo contrário, aqui temos um drama urbano contemporâneo, tendendo mais para o deprimente do que para o empolgante. É o sétimo longa dirigido pelo também protagonista Guru Dutt, que faria apenas mais um filme e depois morreria com 39 anos, supostamente por uma overdose suicida.
O enredo
A amargura do filme reflete os sentimentos do personagem principal Vijay (Guru Drutt). Ele se formou na Faculdade de Artes, mas está desempregado. Seus irmãos o consideram um preguiçoso, e por isso não o deixam morar na casa deles com a mãe. Vijay, na verdade, tem talento para escrever poemas. Porém, não consegue publicá-los. Mora, assim, na rua, como um vagabundo. Tem amizade com um vendedor ambulante, Abdul Sattar, o único alívio cômico desse enredo. Mas conhece uma prostituta, Gulabo, a quem trata com gentileza. Com o tempo, ela acaba nutrindo um amor verdadeiro por ele. Porém, Vijay carrega uma grande desilusão amorosa. Sua paixão da universidade, Meena, o largou porque ele não tinha dinheiro.
Do nada, Vijay recebe uma proposta de emprego de Ghosh, dono de uma editora. Porém, não para publicar seus poemas, mas para trabalhar como assistente no escritório. Aos poucos, a trama revela que ele é o atual marido de Meena e quer descobrir se a esposa o ama. Quando Vijay reencontra Meena, percebe que o sentimento ainda existe e é recíproco, mas ela ainda mantém sua decisão de preferir viver uma vida confortável com o marido rico. Para agravar a tristeza de Vijay, sua mãe morre e os irmãos o deserdam.
Mundo sem sentido
Seu olhar de poeta revela um mundo sem sentido, onde o dinheiro está acima de tudo. Tenta o suicídio, mas outra pessoa morre no seu lugar. Dado como morto, Ghosh se apodera de sua obra e a publica com enorme sucesso de vendas. Enquanto isso, Vijay é internado como louco. Seu retorno o aproxima da figura de Jesus Cristo, que também foi venerado após a morte. Num ginásio lotado para homenageá-lo, Vijay surge com uma forte luz por trás, como no imaginário das figuras santas. Ao ressuscitar, abnega a fama e a riqueza, pois ele não quer fazer parte desse mundo com valores tortos. Sua luta contra o sistema estabelecido lembra a dos grande heróis dos filmes de Frank Capra.
O filme contém cenas sombrias, como a da tentativa de suicídio, filmada à noite com fotografia expressionista. E dramaticamente impactantes, como a prostituta se apresentando numa dança e impedida de parar para atender o seu bebê que está chorando. Mas nem por isso os longos números musicais estão ausentes. Eles surgem, porém, sem coristas dançando. O que se move é a câmera, fazendo as vezes de uma dança. Salvo um ou outro trecho musical (como o da apresentação do vendedor Sattar e a da sedução da prostituta), as músicas trazem as belas poesias de Vijay com uma melodia melancólica. As letras refletem a visão do poeta, desiludido com esse mundo materialista. E, provavelmente, a visão do próprio diretor Guru Dutt.
Contundente
O Sedento, por conta do seu tom sombrio, possui um ritmo bem mais lento do que o que encontramos tradicionalmente no cinema indiano. Isso fica mais evidente na sua primeira parte, quando o enredo mostra o início dos relacionamentos de Vijay com as duas mulheres (no presente com Gulabo e em flashback com Meena), e as vãs tentativas de o protagonista vender seus poemas. Os números musicais tornam o filme ainda mais arrastado, mas ganham vitalidade quando trazem as letras do que seriam poesias de Vijay, muito inteligentes e sensíveis ao que acontece ao seu redor. Mas o longa supera tudo isso na sua conclusão, quando Vijay comprova nas suas decisões que seus valores realmente se encontram num patamar mais elevado do que o dessa sociedade perdida. A mensagem é, sem dúvida, contundente.
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Ficha técnica:
O Sedento | Pyaasa | 1957 | 146 min | Índia | Direção: Guru Dutt | Roteiro: Abrar Alvi | Elenco: Guru Dutt, Waheeda Rehman, Mala Sinha, Rehman Khan, Johnny Walker, Kumkum, Leela Mishra, Shyam, Mehmood, Radheshyam, Tun Tun.
