Olhar Invisível (La Mirada Invisible) constrói um cativante suspense psicológico, com analogias à ditadura militar. É o terceiro longa-metragem do diretor argentino Diego Lerman, que depois realizaria Refugiado (2014) e Uma Espécie de Família (Una Especie de Familia, 2017).
A história acontece em 1982, quando a ditadura militar argentina que governa o país há seis anos começa a ruir. Aliás, como explica a legenda no início do filme. De fato, a situação política está presente durante toda a trama, que possui evidente intenção metafórica. Acompanhamos María Teresa Cornejo (Julieta Zylberberg), uma jovem de 23 anos que trabalha como inspetora em um colégio. Recatada, e virgem, María desenvolve uma obsessão por um dos alunos de uma das classes que ela monitora. A rigidez do colégio, reflexo da ditadura militar, certamente a demitiria se essa paixão platônica se materializasse. Portanto, ela a mantém em segredo, e canaliza em atitudes típicas de uma stalker.
A obsessão de María
Assim, sob o pretexto de investigar se algum aluno fuma dentro do colégio, ela se esconde no banheiro masculino. Dessa forma, pode espiar seu objeto de desejo urinando. Isso a excita, e em certo momento, não resiste e se masturba dentro de um dos cubículos do sanitário. Seu olhar invisível distorce a já deturbada instrução de seu chefe, o Sr. Biasutto (Osmar Núñez), de ela manter vigilância permanente. O filme não mostra o que María Teresa pensa, e o público, aos poucos, descobre esse estranho fetiche.
Nesse aspecto, ela nos lembra a retraída protagonista, curiosamente com o mesmo prenome, do longa húngaro Corpo e Alma (Teströl és lélekröl, 2017). Mas, essa fixação doentia não se resolve no filme, e a conclusão se volta para outro braço da narrativa. Talvez, se formos otimistas, possamos acreditar que a troca de olhares entre María e o jovem aluno, durante uma apresentação perto do final, represente que ela conseguiu se conectar com ele. Afinal, isso se passa depois de ela tocar a mão dele em cena anterior.
Enfim, o outro braço da narrativa, que mencionamos acima, se refere às segundas intenções do Sr. Biasutto, que tenta se aproximar de María Teresa. Esse chefe representa uma clara metáfora da própria ditadura militar. Na escola, uma aula conta a versão de extrema direita da História do país, enquanto hinos fazem parte da rotina. Além disso, vemos a disposição em filas e a exigência de cumprimento de rigorosos padrões de vestimenta. A virginal protagonista parece uma vítima fácil para o abuso sexual do Sr. Biasutto, que resulta no estupro, vingado com violência pela vítima. Uma conclusão que simboliza o fim da submissão aos abusos da ditadura.
A insustentável ditadura
O diretor Diego Lerman retomaria o tema da violência contra a mulher em seu filme seguinte, Refugiado (2014), de forma mais direta. Mas, aqui, em Olhar Invisível, o #metoo surge de maneira abrupta, como pretexto para a metáfora sobre a ditadura, que é o tema principal. A protagonista se vê dividida entre seguir à risca as ordens do seu chefe em relação a buscar subversivos entre os alunos, e uma urgência de liberdade. Esse ponto se somatiza m seu comportamento secretamente lascivo, que provoca até desmaios. Aliás, a sua família, composta apenas por mulheres, parece uma analogia às Mães da Praça de Maio, a associação de mães cujos filhos desapareceram durante o regime ditatorial.
Ademais, Lerman constrói uma forte representação visual do que se passa no íntimo da protagonista. Em especial, nas cenas em que, em plano geral, a mostra atravessando na diagonal um grande pátio com piso quadriculado. Temos a impressão de que María não sabe se prefere as casas brancas ou pretas. Ao final do filme, após sua reação vingativa, ela contorna o pátio pela lateral, tomando seu próprio rumo.
É interessante, também, que o instrumento que ela utiliza para atacar seu agressor seja seu lixador de unha. O público a viu antes, em vários momentos, lixando suas unhas no retorno à sua casa no ônibus e no metrô. Então, soa como se esse impulso de inconformidade já estivesse com ela, esperando o momento de explodir. Dessa forma, simbólica, Olhar Invisível revela que a ditadura não tinha mais como se sustentar. A inconformidade do povo argentino não aguentou o estupro que foi a Guerra das Malvinas.
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Ficha técnica:
Olhar Invisível | La Mirada Invisible | 2010 | 97 min | Argentina, França, Espanha | Direção: Diego Lerman | Roteiro: Diego Lerman, María Meira | Elenco: Julieta Zylberberg, Ailín Salas, Osmar Núñez, Marta Lubos, Jorge García Marino, Pablo Sigal, Magdalena Capobianco, Santos Lontoya, Gaby Ferrero.