Quais serão os 10 melhores filmes de Steven Spielberg segundo o crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre? Confira aqui.
Os Fabelmans vem aí. O suposto filme com toques autobiográficos sobre a iniciação de Steven Spielberg no cinema chega ao nosso circuito em janeiro. Enquanto isso, muitos cinéfilos entusiasmados pelo cinema do diretor aproveitam para rever seus filmes, estabelecendo os piores e os melhores e comprando brigas com outros cinéfilos (como são apaixonados esses spielberguianos!).
A meu ver, é um diretor que começa bem, contaminado pelos ares mais críticos da Nova Hollywood, mas também por sua formação no entretenimento juvenil, entre a adoração ao cinema clássico americano e o hábito de ver TV e ler quadrinhos, Spielberg soube construir um mundo particular sem ser exatamente o que se chama de “autor”.
Na difícil tarefa de escolher seus 10 melhores filmes, as posições mudam com frequência, e os escolhidos também. É o natural em listas, e é salutar, pois revisões são sempre necessárias.
Esta lista, então, é a de hoje. Ou, vá lá, a de dezembro de 2022. Os Fabelmans não entraria nela. Mas a revisão em janeiro pode mudar isso.
Desnecessário dizer que é uma lista pessoal, com assinatura, que reflete o meu temperamento e minha relação com os filmes. Por isso preferi fazer alguns comentários em formato de crônica, revelando até algumas inseguranças de certos julgamentos (caso de A.I., por exemplo).
10 melhores filmes de Spielberg
10. Prenda-me se For Capaz (Catch Me If You Can, 2002)
A confirmar se é este o filme que promove Leonardo DiCaprio ao primeiro time da atuação em Hollywood. Ele está ótimo como o trambiqueiro perseguido pelo agente do FBI Tom Hanks. E o filme ainda tem Christopher Walken em participação antológica.
09. E.T. O Extraterrestre (E.T. the Extraterrestrial, 1982)
O pai que vai embora com os ETs em Contatos Imediatos do 3º Grau dá origem ao tema da ausência do pai, que está muito forte em ET – O Extra-Terrestre. O pai de Elliott está no México com outra mulher, mas isso poderia ser uma desculpa inventada pela mãe, como “papai saiu em viagem de negócios” ou outra qualquer. Melodrama juvenil tocante, mas por vezes Spielberg ultrapassa a fina faixa de leitura do melodrama e cai no piegas – nos tempos, principalmente, como pode ser notado na despedida final.
08. Tubarão (Jaws, 1975)
Um dos responsáveis pelo sucesso e posterior ocaso da Nova Hollywood, graças à estratégia de marketing maciço que se tornaria a marca de futuros produtos de entretenimento, com exploração comercial da trilha, de bonecos do tubarão e do que mais fosse possível. Como filme de suspense, é uma nova aula de tensão após a estreia em longas com Encurralado. O tubarão adora os bufões que tendem a diminuir o problema para não ter seus bolsos (ou governos) afetados. É também uma maneira de dizer que o turismo, já em 1975, era predatório, e em nome dele sacrifica-se vidas e a natureza. Tudo é dinheiro, Spielberg sabia muito bem, até se tornar vítima dessa mesma engrenagem.
07. Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders of the Lost Ark, 1981)
Na cola das aventuras que entusiasmaram Spielberg em sua adolescência, este filme causou uma verdadeira comoção no mundo todo quando estreou. Lembro de ter visto num cinema de bairro, porque no Comodoro, onde queria ter visto o filme (e depois de alguns meses o vi, finalmente), não me aceitaram porque eu era ainda menor de 14 anos. Revendo em tempos de crítico, percebo a chantagem emocional, mas também o talento para conduzir o espectador, num nível que Hitchcock aprovaria.
06. A.I. Inteligência Artificial (A.I.: Artificial Inteligence, 2001)
Lembro do impacto que foi ver este filme na época, e do lamento por algumas cenas que o enfraquecem, em boa parte por causa da tendência de Spielberg de exagerar na maneira como procura manipular o espectador. Nunca revi e o filme curiosamente cresceu na memória (o que aumenta o receio de rever). Por enquanto, fica na sexta posição. Acredito ser a mais justa.
05. Louca Escapada (The Sugarland Express, 1974)
Este é provavelmente o filme de Spielberg que melhor se encaixa no espírito da Nova Hollywood. É o mais crítico, o mais estranho, em que podemos esperar qualquer tipo de final pelo que se apresenta até então, até mesmo um final amargo. Ao mesmo tempo já mostrava como Spielberg tinha outro temperamento em relação aos companheiros De Palma, Coppola e Scorsese.
04. Encurralado (Duel, 1971)
Aula de ritmo e tensão, filme de juventude que mostra um diretor já muito hábil em manipular as emoções do espectador. Imaginem estar numa estrada e ser agredido por um caminhão. É o terror das longas viagens, particularmente no Brasil, quando muitos acidentes acontecem porque caminhoneiros não respeitam limites de velocidade.
03. The Post: A Guerra Secreta (The Post, 2017)
Um dos melhores filmes sobre jornalismo investigativo, quase da estatura de um Clint Eastwood (Crime Verdadeiro, 1999), com interpretações impecáveis de um elenco comandado por Tom Hanks. O filme liga inteligentemente os segredos que prolongaram a Guerra do Vietnã com o escândalo de Watergate. Todos os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula, estaria logo na esquina, no contrabando cronológico que o cinema nos prega constantemente.
02. Indiana Jones e a Última Cruzada (Indiana Jones and the Last Crusade, 1989)
O melhor da série Indiana Jones toca no tema – spielberguiano por excelência – da ausência do pai. Mas o filme é ainda uma lição de ritmo após o atropelado, embora talentoso segundo longa, Indiana Jones e o Templo da Perdição e após algumas tentativas de fazer cinema adulto, algo que Spielberg só vai conseguir fazer bem de fato nos anos 2000. Sean Connery está ótimo como o pai de Indy e cada vez que ele chama o filho de Júnior podemos ir ao delírio.
01. Contatos Imediatos do Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind, 1977)
O protagonista vivido por Richard Dreyfuss abandona a esposa e três filhos para ter uma nova experiência com os extraterrestres, ressaltando a irresponsabilidade e a alienação de uma geração e assinalando uma obsessão spielberguiana que seria retomada em muitos de seus filmes (curiosamente, não em The Fabelmans): a ausência do pai. Há ainda uma sensação de imperfeição dominante na Terra, e a decorrente necessidade de se aprender com os extraterrestres. O melhor filme de Spielberg pode também ser considerado, junto com outro filme de 1977, Star Wars, o estopim de uma dominação que iria eclipsar o lado mais inventivo e crítico das sobras da Nova Hollywood.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.