Em Os Amantes, contando com Brahms como fundo musical, Louis Malle narra o florescer de uma paixão à primeira vista, tão arrebatadora que transforma o insensato em natural.
Jeanne (Jeanne Moreau) não se sente feliz nem com seu marido Henri, dono de um jornal em Dijon, nem com seu amante Raoul em Paris, para onde viaja constantemente para ver sua amiga Maggy. Justamente quando Maggy e Raoul são convidados por Henri para passarem a noite em Dijon, Jeanne enfrenta problemas com seu carro no trajeto para casa. Então, sozinha, pega uma carona com Bernard. A atração entre os dois, iniciada na viagem, explode durante a madrugada em Dijon.
Louis Malle quebra a provável antipatia do espectador pela personagem central, cujo comportamento seria moralmente questionável. Para isso, emprega a narração por uma voz feminina, induzindo assim a assunção do ponto de vista de uma mulher sobre o assunto. Desta forma, libera a compreensão dos atos de Jeanne. Afinal, a protagonista busca a paixão profunda, não os rasos sentimentos que obtém dos dois homens com quem se relaciona atualmente. Quando fortuitamente conhece Bernard, ao lhe pedir socorro na estrada, já se encontra predisposta a se entregar a esse arrebatamento.
Insensatez
Quando os dois apaixonados se esbarram na madrugada, no exterior da casa de Jeanne, a entrega ao furor se dá aos poucos. Por fim, alcança um nível de insensatez que a sequência dos dois passeando pelo bosque reflete perfeitamente. Não estão ali a fazer sexo, apesar de que a única cena em que vemos Jeanne beijando alguém se encontra nessa sequência.
E os dois se deleitam com a companhia um do outro, admirando a beleza mútua – de fato, Jeanne Moreau nunca esteve tão bela na tela e Jean-Marc Bory é o mais bonito dos homens do filme – e a sensação de embriaguez da paixão recém-nascida. É uma sequência que a razão não compreende, quando o encanto fecha o espaço e o tempo como se nada mais existisse. Os dois se amam nesse momento, muito mais do que o ato sexual que consumam somente quando retornam para casa. Na verdade, isso contraria o juízo, pois é mais arriscado se entregarem fisicamente no quarto, perto de Henry e Raoul, do que na mata, onde poderiam ter feito sexo.
Em seu livro “Os Filmes de Minha Vida”, o crítico e cineasta François Truffaut escreveu sobre Os Amantes:
“Louis Malle fez o filme que todos trazem no coração e sonham em concretizar: a minuciosa história de um amor à primeira vista, o ardente ‘contado de duas epidermes’ que só surgirá muito mais tarde como ‘a troca de duas fantasias’”.
Porém, Louis Malle não entrega a estória como um conto de fadas. Quando os dois amantes param em uma cafeteria enquanto fogem de Dijon, Jeanne olha para seu reflexo no espelho e começa a se questionar se o que faz está certo. Afinal, não estamos num filme hollywoodiano, e sim a um passo da nouvelle vague.
Ficha técnica:
Os Amantes (Les Amants, 1958) França. 88 min. Dir: Louis Malle. Rot: Louise de Vilmorin. Elenco: Jeanne Moreau, Alain Cury, Jean-Marc Bory, Judith Magre, José Luis de Villalonga, Gaston Modot, Michèle Girardon, Lucienne Hamon, Georgette Lobre, Claude Mansard, Alain Cuny.
Assista: entrevista com Louis Malle
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