Parasita é um filme surpreendente. Através dele, o diretor sul-coreano Bong Joon Ho constrói um retrato crítico da sociedade atual. Novamente, como em Okja (2017), ataca o capitalismo sem precisar levantar bandeiras. Com talento, sua crítica atinge o público em cheio através do storytelling.
A família Kim, um casal com um casal de filhos jovens, é apresentada como os parasitas do título. Eles vivem em no subsolo de um prédio em um bairro pobre. E, sobrevivem de bicos e tentando obter tudo que é possível de graça, como o sinal do wifi dos vizinhos. A estória começa quando um amigo do filho oferece sua vaga de tutor de inglês de uma adolescente de classe média alta, os Park.
Então, ele não só aceita, como aproveita para conseguir uma vaga para a irmã, como professora de arte do menino mais novo. Ela, por sua vez, dá um jeito de substituir o atual motorista pelo pai. Por fim, os Kim inventam uma forma de colocar a mãe no lugar da governanta. E, tudo isso sem que os Park saibam que todos os seus novos empregados são da mesma família.
Até aí o filme já se pagou. As tramas da família trambiqueira são bem boladas e o tom é cômico, ao mesmo tempo com suspense, pois acabamos por torcer para que seus esquemas deem certo. E os Kim se mostram muito talentosos nesse ardiloso trabalho.
A soberba
No entanto, o plano começa a desmoronar quando os Kim exageram. Eventualmente, aproveitam uma viagem dos patrões para pernoitarem na luxuosa casa deles. Então, o suspense se sobrepõe à comédia, desde o momento em que a ex-governanta aparece para ir atrás de algo que deixou na casa. Depois, se torna ainda mais angustiante quando a família Park retorna mais cedo da viagem. O suspense, assim, se transforma em terror.
A direção de Bong Joon Ho é genial. Ele filma a ótima estória que escreveu junto com Jin Won Han com muito talento, explorando referências e a gramática visual do cinema.
A sequência do plano para convencer a patroa a demitir sua governanta é um dos pontos altos de Parasita. Alternando cenas do ensaio com a prática desse esquema, acompanhamos como eles realizam tudo o que foi planejado minuciosamente. Adicionalmente, a trilha sonora orquestrada reforça que o plano foi executado à perfeição, como que seguindo uma partitura.
Outra cena belíssima que retrata nas imagens o que se passa na narrativa, é aquela em que a família Kim foge da residência dos patrões para a sua casa. Sair do luxo onde trabalham para a miséria onde vivem representa uma descida de nível que o filme representa pelas várias escadas que eles descem atravessando os bairros nesse trajeto. O destino é o fundo do poço. Aliás, literalmente, porque a chuva torrencial inunda a rua e eles estão quase dentro do esgoto.
Refinamento estético
Ainda nos destaques da direção de Bong Joon Ho, apontamos a desvairada festança dos Kim na casa dos patrões. Apresentada em slow motion, com trilha sonora de música italiana, essa sequência reverencia as cenas dramáticas filmadas por Francis Ford Coppola em O Poderoso Chefão, ao som de ópera.
E esse refinamento estético não embala um conteúdo vazio. Parasita convida o espectador a se entreter com essa estória empolgante enquanto ela instiga a reflexão sobre o relacionamento entre classes sociais diferentes na sociedade atual. Para os Kim, a família rica representa uma fonte de receita. Para os Park, esses membros da classe mais baixa são sua mão de obra. Esse contrato social que o capitalismo acredita ser aceito pelas partes não funciona de forma tão simples.
Enquanto o garoto Kim inicia um ingênuo romance com sua aluna Park, o pai começa a sentir o preconceito que paira no ambiente. Primeiro, o menininho da família rica percebe que o motorista e a governanta possuem o mesmo cheiro. E é pelo nariz que se manifesta de forma mais forte o preconceito, quando o Sr. Park comenta com a esposa sobre o cheiro do motorista. A partir desse momento, o comportamento do Sr. Kim muda completamente, acumulando cada vez mais raiva por obrigarem a realizar atividades que não são compatíveis com sua função. Por exemplo, carregar as compras da patroa e se vestir de índio na festa do menino da casa.
Relação entre patrões e empregados
Apesar da relação cordial dos patrões com seus empregados, e até da troca de confidências, o filme Parasita mostra que o relacionamento não é de família nem de amizade. Há um enorme obstáculo no meio desses dois grupos de classe social distinta, que é o preconceito. Aliás, encontramos essa mensagem também no brilhante filme de Anna Muylaert com Regina Casé, Que Horas Ela Volta?.
Na parte final de Parasita, há uma explosão de emoções represadas que lembra os epílogos de Quentin Tarantino, quando as máscaras caem e os sentimentos verdadeiros afloram. Enfim, o sentimento que fica, sob o ponto de vista contra o capitalismo, é que todos são parasitas de alguma forma. Em posição a favor deste sistema, não há parasitismo, mas uma relação consensual de troca. O único que indiscutivelmente vive como um parasita é o marido da governanta, isolado da convivência social. Ironicamente, é essa posição que o Sr. Kim abraça, depois de tudo.
Parasita é um filme soberbo que venceu a Palma de Ouro em Cannes e que, muito provavelmente, levará algum Oscar para a Coreia do Sul.
Ficha técnica:
Parasita (Gisaengchung, 2019) Coreia do Sul. 132 min. Dir: Bong Joon-ho. Rot: Bong Joon-ho, Han Jin Won. Elenco: Kang-ho Song, Yeo-jeong Jo, So-dam Park, Woo-sik Choi, Sun-kyun Lee, Ji-so Jung.
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