O diretor húngaro Kornél Mundruczó apresenta em Pieces of a Woman um drama gélido sobre perda. Para isso, trabalha vários elementos fílmicos que conduzem o espectador para dentro da angústia dos seus personagens. Alguns elementos são evidentes, outros sutis.
Elementos evidentes
Assim, o parto se insere no primeiro grupo. Forçosamente, o espectador mergulha junto com os protagonistas Martha (Vanessa Kirby) e Sean (Shia LaBeouf) no desespero deles quando chega o momento de dar à luz. Principalmente, porque o casal tinha decidido realizar o parto em casa, e a parteira contratada está indisponível. Por isso, outra parteira a substitui. Então, o diretor Kornél Mundruczó filma o parto como se fosse um longo plano sequência que dura uns vinte minutos. Com isso, o público participa da situação e sofrem tal qual o casal. Por fim, o desfecho trágico se encerra com um frio fade out. E, só então, aparece o título do filme.
Depois, Pieces of a Woman acompanha Martha e Sean desmoronando por causa da perda. E o filme mostra o efeito neles individualmente e como um casal. Para piorar, a mãe dominadora de Martha, interpretada pela veterana Ellen Burstyn deseja tomar a frente da situação, e inicia uma ação judicial contra a parteira. Eventualmente, a sogra acaba incentivando Sean a ir embora.
A partir daí, a estória se concentra em Martha. Com isso, constrói o momento mais emocionante de Pieces of a Woman, que acontece durante o julgamento. Assim, o depoimento derradeiro da protagonista revela seu momento pós-epifania. Aliás, essa mudança de atitude acontece através da engenhosa utilização de um detalhe do roteiro. Ou seja, as fotografias do parto que ainda não haviam sido reveladas. Mas, esse depoimento só consegue ser tão emotivo porque as falas da personagem são perfeitas para esse efeito.
Elementos sutis
Além desses aspectos, o filme de Kornél Mundruczó tem mais ainda a oferecer. Por exemplo, a brilhante forma como a narrativa é segmentada em datas específicas. Cartelas revelam essa passagem do tempo, sempre com o mesmo plano da ponte sobre o rio sendo gradativamente construída. E essa ponte possui um simbolismo forte. Afinal, Sean ajudou a construí-la, e quando ela está finalmente completa, vemos Martha já recomposta do trauma.
Então, a conclusão nos reserva um momento leve e poético. De novo, o filme se apropria de um detalhe visto antes para comunicar sua ideia. No caso, a maçã, que é a fruta que Martha tentava comer após a perda, mas que ela nunca conseguia engolir. Depois, reserva suas sementes. Então, na última cena, vemos uma menina subindo numa árvore cheia de maçãs. Ou seja, ela retomou sua vida, e conseguiu ter uma filha. E, como vemos uma casa grande e refinada, Martha provavelmente se casou novamente com outro homem, com mais recursos que o pobre Sean.
Com tudo isso, Pieces of a Woman consegue emocionar, e ainda apresentar muitas ideias inspiradas em sua história.
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Ficha técnica:
Pieces of a Woman (2020) Canadá/Hungria/EUA. 126 min. Direção: Kornél Mundruczó. Roteiro: Kata Wéber. Elenco: Vanessa Kirby, Shia LaBeouf, Ellen Burstyn, Iliza Shlesinger, Benny Safdie, Sarah Snook, Molly Parker.
Distribuição: Netflix.
