O maior atrativo de Rastros de um Crime (The Cleaner) é trazer de volta para as telas as veteranas Shelley Long e Lynda Carter. As duas atrizes, agora com setenta anos, têm atuado pouco, daí o interesse que este drama policial desperta. No Brasil, Long ganhou fama com a comédia Um Dia a Casa Cai (The Money Pit, 1986), quando atuou ao lado de Tom Hanks. Já Carter é mundialmente reconhecida como a protagonista da série Mulher Maravilha (Wonder Woman, 1975-1979).
Em Rastros de um Crime, elas têm papel secundário. O personagem principal é Buck (King Orba), um homem de meia-idade que perdeu seu emprego como vendedor em uma concessionária de veículos e agora tenta sobreviver limpando casas. E ele ainda precisa sustentar sua mãe Sharon (Shelley Long), que tem problemas com álcool. Os dois fazem amizade com a nova vizinha Becky (Eden Brolin), que se muda temporariamente para junto deles, para ficar longe do namorado abusivo.
Então, surge Carlene (Lynda Carter), que contrata Buck para encontrar seu filho Andrew (Shiloh Fernandez), que está sumido. Embora não seja sua praia, o trabalho vem a calhar para ele, porque ela oferece um generoso pagamento. Descobrir o paradeiro do rapaz até que não é tão difícil, mas o complicado é convencê-lo a se encontrar com a mãe, pois ele possui profundas mágoas com ela desde sua infância.
Roteiro
O roteiro, escrito por King Orba junto com o diretor Erin Elders, mantém a simplicidade e é, em sua maior parte, consistente. Concentra-se na amargura do protagonista, desgostoso com a atual situação de sua vida. Buck gostaria de voltar ao emprego na concessionária, porém ele cometeu algum erro grave (o filme não revela o que) e o seu patrão se ressente, mas não pode readmiti-lo. Além disso, se incomoda porque seu irmão, o policial Craig (Faust Checho), não consegue se entender com a mãe. Apesar de tudo, Buck cuida zelosamente da mãe, e busca relaxamento fumando ocasionalmente uma erva.
Rastros de um Crime evidencia suas características de cinema independente americano, especificamente daqueles indies sobre losers. Um bom exemplo recente desse subgênero é Projeto Flórida (The Florida Project, 2017), de Sean Baker. O maior mérito desses filmes está em contar histórias sobre pessoas à margem do mainstream. Isso até se torna assunto da refeição em família da trama, quando a mãe Sharon acusa o filho Craig de ter vergonha dela e do irmão por serem pobres.
Porém, o roteiro possui alguns deslizes. Por exemplo, a redenção do rapaz perdido Craig soa forçada e vem num momento previsível. Mas, por outro lado, o arco do personagem principal faz sentido. Afinal, após testemunhar uma relação familiar resolvida tarde demais, ele decide aproveitar a companhia da mãe enquanto pode, em novas experiências, ao invés de ficar remoendo sua amargura. E a simbologia dessa mudança com o empenho em consertar o motor do trailer, processo que acontece durante o filme inteiro, traça um interessante paralelo entre o reparo mecânico e a readequação de seu posicionamento em relação à vida.
Direção
No entanto, a direção do estreante Erin Elders é insegura. Já no início, ele cai na tentação de seguir a moda de inserir um flash forward que, aqui, é enganoso. Deixa a falsa impressão de que estamos diante de um filme policial de suspense. Então, o drama em ritmo lento que se segue frustra essas expectativas. Já no estilo, alterna entre usar a câmera na mão e no tripé. Quando emprega a câmera trêmula, erra por não restringir esse recurso a momentos de agitação ou confusão do personagem, ou seja, quando a cena o exige. E, ainda, coloca a câmera atrás de coisas (cercas, galhos de árvores etc.), dando a sugestão errada de que alguém está ali observando em perspectiva subjetiva. Já quando busca o cinema clássico, com a câmera fixa, segue bem os protocolos e a narrativa segue com naturalidade.
Aos fãs das atrizes veteranas, o filme entrega bons momentos. Shelley Long aparece mais tempo na tela, numa composição que mescla humor e drama. Os óculos grandes afastam a semelhança com a atriz dos anos 1980, mas sem eles vemos claramente os mesmos traços. Quanto a Lynda Carter, devemos admitir que ela é um caso raro em que as plásticas funcionaram, pois suas feições não estão deformadas como acontece com outras colegas de profissão que ficaram irreconhecíveis. A intervenção não era necessária, claro, pois o envelhecimento faz parte do processo normal de todo ser humano. Acima de tudo, o mais importante é que ela impõe ainda uma forte presença na tela, e ainda canta com uma bela voz duas músicas no filme.
Enfim, Rastros de um Crime apresenta um drama amargo, com um final aliviador, sobre pessoas que lutam para ganhar seu dia a dia. A direção é trôpega, mas a história convence e as atrizes veteranas brilham.
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Ficha técnica:
Rastros de um Crime | The Cleaner | 2021 | 93 min | EUA | Direção: Erin Elders | Roteiro: Erin Elders, King Orba | Elenco: King Orba, Shelley Long, Eden Brolin, Lynda Carter, Faust Checho, Luke Wilson, Soleil Moon Frye, Mike Starr, Matty Cardarople, Shiloh Fernandez.
Distribuição: A2 Filmes.