O conto de fé Rosa Tirana ilustra a esperança no sertão nordestino.
Numa terra que não vê a chuva há cinco anos, somente a fé mantém a esperança de seu povo. Pois é ela que move a menina Rosa em sua caminhada solitária e sem rumo certo à procura da Santa Imaculada. Rosa coloca em prática a prece de sua mãe, que oferece uma flor de seu jardim para a santa, em troca do milagre da chuva.
Logo após a sua partida nessa empreitada solitária, a mãe de Rosa morre, no instante em que ela arranca a flor do jardim. Na verdade, é como se o sacrifício da oferenda representasse a vida dela, e não apenas a planta. Enfim, o tom em Rosa Tirana é de alegoria, portanto a morte não é tratada como uma tragédia.
Perigos na jornada
Então, na jornada, Rosa enfrenta alguns perigos, como num conto de fadas. Por exemplo, um caminhoneiro cujo rosto nunca vemos, e que seria claramente um serial killer abusador de crianças, se o filme buscasse um tom mais sinistro. Em Rosa Tirana, a menina percebe a ameaça ao ver várias bonecas largadas em um dos quartos da casa do homem. Ou seja, uma clara alusão à infância que esse malfeitor destruiu em várias meninas.
É interessante como o tempo assume uma dimensão diferenciada, espelhando o ritmo do sertão, onde tudo acontece mais devagar. Então, a cena do homem com o cajado que surge no horizonte e caminha em direção à câmera insiste em manter o tempo real. Lembra até Lawrence da Arábia (1962), de David Lean, cuja estória também transcorre em uma paisagem desértica.
Posteriormente, a questão do tempo retorna ao filme. Por exemplo, nas cenas em que o avô cego de Rosa, interpretado por José Dumont, comenta a realidade do sertão, em tons poéticos e sem nenhuma pressa. Da mesma forma, as sequências do ataque do povo da areia e da festa na vila parecem muito mais longas do que nos acostumamos a ver no cinema comercial.
A fotografia alterna entre belos momentos e outros menos inspirados. Os tons marrons que salientam a cor da terra preenchem a tela vigorosamente, em especial na cena em que a mãe de Rosa sai à porta de sua casa. A mesma paleta está presente na longa sequência de narrações do avô cego, mas nesse trecho há uma certa variação na iluminação entre o plano geral e o fechado.
Esperança
Acima de tudo, Rosa Tirana resgata o apego do povo sertanejo pela fé espiritual. Em outras palavras, a trajetória de Rosa, que consegue superar as ameaças para chegar ao milagre da chuva que salvará o povo, ilustra essa esperança em tom alegórico. Juntamente com os planos alongados, essa abordagem fantasiosa talvez não agrade o público em geral, mas o filme tem valor pela sua originalidade.
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Ficha técnica:
Rosa Tirana (2020) Brasil. 72 min. Direção e roteiro: Rogério Sagui. Elenco: Kiarah Rocha, José Dumont, Stela De Jesus, Rogério Leandro, Carlos White, Yan Quadros, Jocimário Kannário, Mufula, Eliene D´Goió, Sindy Rodrigues, Maria Flor.
O filme está na seleção da 24ª Mostra Tiradentes de 2021.