Não é raro o cinema servir obras que têm como base a culinária. Algumas produzem experiências saborosas, mas em outras o resultado pode ser insosso. Entre os filmes apetitosos, destacamos Lámen Shop (Ramen Teh, 2018), de Eric Khoo. Já entre os sem-graça, nos lembramos de Pegando Fogo (Burnt, 2015), aquele com Bradley Cooper. Quanto ao filme desta crítica, o drama Sabor do Desejo (Smagen af sult), sua receita arrisca temperos inusitados em meio ao básico. O resultado fica apenas na média.
Sua origem dinamarquesa garante um toque peculiar. A história se desenvolve na bela cidade de Copenhague, cenário menos frequente para os nossos olhos. Além disso, os atores principais, ambos dinamarqueses, são pouco conhecidos. Katrine Greis-Rosenthal fez antes Um Homem de Sorte (Lykke-Per, 2018), de Bille August, enquanto Nikolaj Coster-Waldau é lembrado pela série Game of Thrones, bem como pelo mais recente Brian De Palma, Domino (2019). E, na direção, está Christoffer Boe, em seu nono longa. Seu maior sucesso foi Departamento Q: Em Busca de Vingança (Journal 64, 2018), que faz parte da franquia baseada no best-seller de Jussi Adler Olsen.
A narrativa não-linear
Como elemento mais inovador, está a estruturação não-linear da narrativa, o que desafia o espectador a montar a história. E, além disso, arriscando relacionar os subtítulos dos capítulos com elementos da culinária. Ou seja, doce, azedo, gordura, sal e calor. A ideia é boa, mas a conexão não parece tão bem amarrada, aproximando-se mais do tom da trama do que do métier do chef de cozinha.
Por outro lado, encontramos no filme ingredientes que já estão batidos. O principal é o flash forward que abre a história, recurso usado à exaustão no cinema atual, mesmo quando a trama não pede por isso. Aliás, como neste drama, que não ganha nada por adiantar a cena do prólogo, que se refere à abertura do restaurante do casal protagonista.
Já os elementos comuns do adultério e da competição (por uma estrela Michelin), estes entram no enredo com abordagens espertas, que se distanciam do padrão. A traição da esposa tem motivação mais no desinteresse do marido do que na paixão pelo amante. Por isso, algumas cenas, como o sumiço do filho mais novo, entram no filme para reforçar o elo mais forte do casal, que é a família, subsidiariamente ao negócio dos dois, que são sócios no restaurante. Esse desenrolar, mais conservador, difere do que costumamos ver no cinema, quando o amor apaixonado vale mais que tudo. E a competição, a luta por conseguir um Michelin, se insere como o fator que leva ao sacrifício da esposa, que se entrega ao amante para conseguir um segredo (que ela descobre que nem valia a pena).
Enfim, o que desvia Sabor do Desejo do lugar comum acaba sendo uma armadilha para o filme. Pois, ao eliminar tanto a traição por paixão e o empenho para agradar um avaliador da Michelin, a narrativa perde sua emoção. É como um prato gourmet bonito, mas sem gosto.
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Ficha técnica:
Sabor do Desejo | Smagen af sult | 2021 | 1h44 | Dinamarca | Direção: Christoffer Boe | Roteiro: Christoffer Boe, Tobias Lindholm | Elenco: Katrine Greis-Rosenthal, Nikolaj Coster-Waldau, Flora Augusta, Charlie Gustafsson, August Vinkel, Nicolas Bro, Maj-Britt Mathiesen.