Terror sobrenatural ou psicológico? Saint Maud, de Rose Glass, funciona nas duas chaves. Em ambas, o resultado é perturbador. Sua trama traz Maud, uma enfermeira que troca o seu trabalho no hospital para ser cuidadora de pacientes em estado terminal. O serviço de cuidados paliativos a aproxima do que ela acredita ser sua missão divina de salvar almas. Assim, munida de uma sensação elevada, ela sai de sua casa ao nível do mar e sobe a colina até a mansão de sua primeira paciente, Amanda (Jennifer Ehle), uma ex-dançarina famosa que está morrendo de linfoma.
A extrema religiosidade de Maud se choca com o comportamento liberal da artista, que, mesmo doente, ainda recebe seus amantes, um homem e uma mulher. Mas, finge compartilhar da fé de sua enfermeira, cuja companhia lhe agrada. Em relação a Maud, o espectador pode escolher entre acreditar que a presença de Deus que ela sente é divina (ou o demônio disfarçado) e considerar que o excesso a enlouquece.
A diretora Rose Glass, estreante em longas, permite essa liberdade interpretativa. Afinal, todo o filme está na perspectiva de Maud. Isso engloba o drama real de um tratamento paliativo e todos os fenômenos, psicológicos ou sobrenaturais, que afetam a protagonista. Assim, a enfermeira sente uma presença dentro dela, ouve a voz de deus (ou do diabo), e até levita. Ou, claro, imagina tudo isso.
Direção apurada
Rose Glass filme com estilo apurado. Coloca um tom sombrio nos cenários e nas locações, dosando a iluminação escura e a cenografia que deixa tudo com aparência úmida e suja. As personagens, igualmente, carregam uma aparência fora do normal. Amanda, naturalmente, pelo estado terminal. E Maud pela interpretação de Morfydd Clark, nas suas feições e expressões corporais. O papel, inclusive, lhe deu projeção suficiente para ganhar o papel da protagonista Galadriel na série O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder (2022).
Essa mise-en-scène deixa o espectador tenso durante toda a duração do filme. Percepção que cresce, saltando um degrau quando Amanda a dispensa e Maud perde o rumo de seu comportamento rígido. Que, claro, leva ao arrependimento imposto pela religião que pune os pecadores. Por fim, atinge um final terrivelmente assustador, com direito até a um jump scare que vale mais que a dezena deles que um filme de terror médio contém. A cena final reúne beleza e horror ao retratar a protagonista como anjo e mártir, sua mente fragilizada vitimada por uma presença sobrenatural ou pela religiosidade excessiva. O rápido plano final encerra a explicação sobre esse mistério, mas sem invalidar a interpretação alternativa.
Original e aterrorizante, Saint Maud cria muitas expectativas para a futura carreira da diretora inglesa Rose Glass.
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Ficha técnica:
Saint Maud | 2019 | 84 min | Reino Unido | Direção: Rose Glass | Roteiro: Rose Glass | Elenco: Morfydd Clark, Jennifer Ehle, Lily Frazer, Lily Knight, Marcus Hutton.
Assista ao trailer aqui.