Em seu longa-metragem de estreia, Sob o Céu de Alice (Sous le Ciel d’Alice, 2020), a diretora Chloé Mazlo se inspira na história de sua família. “Eu queria falar sobre a guerra como minha família me contou. A personagem de Alice é muito inspirada pela minha avó. Ela é suíça, mas mudou-se para o Líbano por volta de 1955.”, declarou a cineasta para a Semaine de la Critique de Cannes.
O filme se inicia com uma animação em stop motion. O recurso funciona para acelerar a contação das origens da protagonista Alice Kamar (Alba Rohrwacher). E, também, para que aceitemos com naturalidade a sequência seguinte, que mostra os anos felizes de Alice em seu novo país, o Líbano. Nesse trecho, o cenário utiliza uma foto como fundo, como um back projection estático, ao invés de gastar com uma reconstrução em estúdio ou com filmagens em locações. Além disso, usa com bom gosto os recursos gráficos em computação. Por exemplo, as cegonhas passando sobre a cama do casal, até que ela agarra um deles, simbolizando o nascimento da filha. Ou então, quando ela corta a raiz de seus pés literalmente, para mostrar que rompe suas ligações com os pais e com a Suíça onde nasceu.
Fim dos anos felizes
A vida feliz de Alice ao lado de seu marido Joseph (Wajdi Mouawad) desmorona quando se inicia a guerra civil em meados dos anos 1970. A princípio, todos se divertem com a chegada do restante da família, quando todos precisam se abrigar no apartamento de Alice, que se encontra numa parte mais tranquila de Beirute. Porém, os conflitos se intensificam e o perigo enfim se concretiza com o desaparecimento do cunhado da protagonista. Muitos libaneses fogem do país. Assim, surge a crise do casal, pois Joseph deseja continuar em seu projeto de foguete espacial, mas quer que Alice vá embora.
Essa parte mais triste da vida de Alice no Líbano não possui mais o artificialismo gráfico ou as animações que vimos anteriormente. Nisso, a diretora Chloé Mazlo acerta, pois os conflitos internos derrubam os sonhos dos habitantes do país. Porém, Mazlo puxa o freio para que o filme não se torne muito dramático. E ainda insiste em colocar alguma leveza. Por exemplo, com o tom cômico que suaviza a briga do casal com uma barreira que Alice constrói com os vasos de plantas, simbolizando também a divisão do país. Nesse ponto, a história perde força ao relativizar o risco de os protagonistas permanecerem no Líbano. A vida de Alice virou de cabeça para baixo, e o filme devia acompanhar, esteticamente, essa mudança.
Sob o Céu de Alice encanta durante a época feliz de Alice, mas deixa escapar os momentos dramáticos potencialmente emocionantes.
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Ficha técnica:
Sob o Céu de Alice | Sous le Ciel d’Alice | 2020 | França | 92 min | Direção: Chloé Mazlo. | Roteiro: Chloé Mazlo, Yacine Badday. | Elenco: Alba Rohrwacher, Wajdi Mouawad, Isabelle Zighondi, Mariah Tannoury, Jade Breidi, Odette Makhlouf, Hany Tamba, John Chelhot, Greta Zighondi, Chloé Zighondi, Charbel Kamel, Ziad Jallad.
O filme está na programação do My French Film Festival 2022.