O filme japonês Tampopo: Os Brutos Também Comem Spaghetti tem como tema central a gastronomia, numa abordagem original e inesperada. Há uma linha narrativa principal, outra secundária, e vários sketches, formando um criativo mosaico sobre comida. Essa comédia de sucesso internacional agrega ingredientes sensuais, bizarros e até grotescos.
Tramas principal e secundária
A história principal é a mais convencional. Isolada, resultaria em um filme apenas agradável, indicado para a família toda. Nela, dois caminhoneiros param em um pequeno restaurante de lámen. Mas, enquanto comem, Gun, o mais velho deles, se envolve numa briga com um cliente costumeiro do local e seus amigos. Assim, Gun acaba ferido e Tampopo, a viúva dona do restaurante, o socorre. Então, como agradecimento, ele resolve ajudá-la a tornar o seu lámen mais apetitoso.
A subtrama é a que abre o filme lembrando A Rosa Púrpura do Cairo (1985), longa de Woody Allen lançado no mesmo ano de Tampopo: Os Brutos Também Comem Spaghetti. Ela traz um homem rico, vestido elegantemente de branco, que entra numa sala de cinema para comer um banquete com sua mulher enquanto assistem à sessão. De repente, ele olha para a câmera e fala com o espectador. Posteriormente, esse casal retorna à tela em momentos recorrentes. Num deles, os dois protagonizam tórridas cenas de sexo envolvendo comida, em atos bem mais estranhos do que aqueles do posterior 9 ½ Semanas de Amor (1986).
Mosaico
Os sketches trazem trechos curtos cômicos ou dramáticos sem conexão com a narrativa. O que os une às tramas central e secundárias é a presença da gastronomia.
Enfim, Tampopo: Os Brutos Também Comem Spaghetti é um mosaico de histórias envolvendo comida, tal qual Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock, em relação ao amor, ou Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo, mas tinha medo de perguntar (1972), também de Woody Allen, sobre sexo.
O filme surpreende a todo instante, porque os tons são variados, flertando com gêneros cinematográficos diversos, como a comédia, o drama e o romance. Por isso, nunca sabemos o que veremos. Aliás, há espaço até para o musical, na cena da escadaria com os mendigos. E, também, para o cinema mudo, na preparação do omelete de arroz, bem como o erótico com o fetiche gastronômico.
Além disso, o personagem Gun parece saído de um faroeste, similaridade implícita no título nacional dado ao filme. Afinal, ele veste chapéu, é durão e faz amizade na base da briga (em bela cena que se inicia com os lutadores em silhueta embaixo de uma ponte). Ademais, esse protagonista chega em seu caminhão, ajuda a mocinha a resolver seus problemas, e uma vez que ela pode seguir sua vida, ele parte e vai embora como um caubói errante. Nesse sentido, Gun se aproxima de Shane, de Os Brutos Também Amam (1953), daí o título escolhido para distribuição no Brasil.
Tempero certo
Talvez por ser uma produção japonesa e não hollywoodiana, este segundo longa do ator Juzo Itami na direção não faz concessões para agradar a todos os públicos. Se essa fosse a intenção, bastaria se concentrar somente na trama principal e eliminar o restante. Porém, dessa forma perderia toda a sua originalidade, todo o seu tempero. Com isso, o resultado seria o lámen sem vida que a chef Tampopo servia no início da história.
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Ficha técnica:
Tampopo: Os Brutos Também Comem Spaghetti | Tampopo | 1985 | Japão | 114 min | Direção e roteiro: Juzo Itami | Elenco: Ken Watanabe, Tsutomu Yamazaki, Nobuko Miyamoto, Rikiya Yasuoka, Koji Yakusho, Rinzo Sakura, Yoshi Kato, Hideji Otako, Fukumi Kuroda.