Cait (Catherine Clinch) é uma menina tímida, numa idade em que timidez costuma andar perto da solidão. A menina silenciosa fala, mas só quando é obrigada. Tende a se mover discreta e silenciosamente pelos arredores e mesmo dentro de onde mora. Dos pais e irmãs não recebe um tratamento muito animador. Parece vista como a problemática da família. Graças ao seu jeitinho, sentimo-nos logo ao lado dela, torcendo para que a vida lhe seja leve, apesar de tudo indicar o contrário.
É difícil um espectador não se sensibilizar com o sofrimento de uma criança, a não ser que seja alguma pessoa sem coração, de modo que só uma direção muito capenga ou um roteiro mal trabalhado poderiam estragar um filme que trata do universo infantil.
Por capenga e mal trabalhado entendo, nesse caso dos filmes com crianças, um certo apelo fácil para o sentimentalismo: um uso excessivo de música melosa, por exemplo, ou closes demorados em rostos tristes. Mas pode haver também uma inabilidade para dirigir atores e atrizes infantis, o que, sabemos, não é tarefa fácil.
Cait, the quiet girl
Por essa prova, o filme irlandês A Menina Silenciosa, exibido no Festival do Rio e sem data prevista para estreia em circuito comercial, passa com certa facilidade. Não há sentimentalismo a não ser aquele que surge naturalmente do drama narrado, como não há sinal de pouca ou nula habilidade no trato com a pequena atriz Catherine Clinch.
Com uma atuação discreta, como pede o filme já no título, Clinch impressiona pela contenção do retrato da pequena Cait e ajuda o filme a não explorar sentimentalmente as curvas de seu destino.
Ela é a mais jovem de uma família com poucos meios. Nas férias escolares, é levada para viver um tempo com a prima de sua mãe e o marido, fazendeiros que sofreram recentemente uma terrível perda na família. Apesar disso, essa sua nova casa é clara, solar, enquanto a dos pais é escura e desarrumada.
Estamos em 1981, mas não há muitos sinais temporais, e dos poucos que há, nenhum é explícito. Sentimos mais a ausência de peças do contemporâneo como celulares e computadores do que a presença de sinais dos anos 1980. É curioso pensar que voltar aos anos 1980 é voltar cerca de 40 anos, o equivalente a voltar aos anos 1940 para um filme oitentista. A passagem do tempo nos prega umas peças no entendimento de como essas diferentes épocas são representadas com o passar do tempo.
A direção
O diretor, Colm Bairéad, consegue extrair de todos os atores a porção necessária de sentimento e mistério, para que haja uma certa tensão no ar, justamente por não sabermos como irão tratar a pequena Cait ou como ela reagirá às mudanças impostas por pessoas sem que sua vontade seja sequer ouvida. Elementos como um poço fundo que, saberemos depois, já causou um acidente fatal, ou os olhares pouco amistosos tanto do pai adotivo temporário quanto de alguns membros da comunidade, sugerem que o filme poderia enveredar pelo horror sem muito esforço.
O destino da pequena Cait é incerto, mas já nos afeiçoamos por ela de tal modo que podemos ter o coração dilacerado em alguns momentos do filme, mesmo com a bem-vinda contenção na direção.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.
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Ficha técnica:
A Menina Silenciosa | The Quiet Girl | An Cailín Ciúin | 2022 | 95 min | Irlanda | Direção e roteiro: Colm Bairéad | Elenco: Catherine Clinch, Carrie Crowley, Andrew Bennett, Michael Patric, Kate Nic Chonaonaigh, Joan Sheehy, Tara Faughnan.