Dentro de uma filmografia dominada por dramas intimistas como a de Joachim Trier, Thelma representa um ponto fora da curva. O quarto longa do diretor dinamarquês é sua primeira, e até agora única, incursão no cinema fantástico. Aqui, a protagonista pode não ser A Pior Pessoa do Mundo (filme de 2021 de Trier), mas seus incontroláveis poderes psicocinéticos provocam tantas tragédias como Carrie, a Estranha (1976, Brian De Palma) e os jovens de A Fúria (1978, De Palma). A abordagem de Trier, porém, é menos maneirista que a de De Palma, e menos sensacionalista que a de David Cronenberg em Scanners: Sua Mente Pode Destruir (1981).
Conduzindo o espectador
O prólogo, inclusive, nos induz a uma expectativa diferente. Com música sombria ao fundo, um pai aponta o seu rifle de caça na direção da cabeça de sua filha de seis anos. A impressão que temos é de que estamos diante de um filme doentio, de comportamentos humanos abomináveis, como faz o cineasta grego Yorgos Lanthimos (vide O Sacrifício do Cervo Sagrado, de 2017). No entanto, esse evento do passado se explicará durante o filme, e compreenderemos a motivação do pai.
Logo em seguida, novamente o filme conduz o espectador a uma falsa conclusão. A câmera colocada no alto de um prédio capta as pessoas caminhando numa praça movimentada. Ainda impactados pelo prólogo que acabamos de ver, pensamos que se tratada perspectiva de uma mente perturbada disposta a atirar nos pedestres lá embaixo. Mas, nada acontece e, no nível do solo, conhecemos a protagonista Thelma (Eilie Harboe). Inexperiente, a jovem sofre para se adaptar a morar sozinha para estudar na universidade. Em pouco tempo, seu estado emocional debilitado a leva a uma convulsão no meio da biblioteca. Os exames levam ao diagnóstico de crise psicogênica não epilética. Então, quando ela começa a pesquisar sobre esse assunto, a trama se aprofunda no suspense.
Um terror diferenciado
O filme Thelma não é um terror de sustos e imagens horríveis. O tom sinistro caminha numa crescente conforme a protagonista desenterra uma tragédia de sua infância. Durante anos, o pai conseguiu sufocar uma nova manifestação dos poderes telecinéticos da filha, mas o estado emocional frágil dela no novo ambiente trazem tudo à tona de novo. O clima de estranheza, necessário no terror, surge numa sequência onírica recorrente de Thelma com uma serpente. Esse símbolo do pecado se manifesta inconscientemente porque uma das soluções utilizadas pelo pai foi a religião. De forma mais sutil, Joachim Trier mantém, em algumas cenas, o plano se prolongar por alguns segundos a mais do que o padrão, o que resulta numa sensação de que algo está fora do normal.
Outro momento de destaque do diretor encontramos no uso, provavelmente, de uma steadicam, num close da mãe de Thelma ao tentar alcançar a filha com pressa numa cadeira de rodas. O recurso parece artificial, mas funciona perfeitamente para refletir a sensação dessa personagem ao descobrir o que a filha fez com ela. Então, logo em seguida, vemos Thelma com um sorriso no rosto, marcando sua satisfação por ter, pela primeira vez, usado seus poderes para o bem. Por fim, a conclusão retoma o plano geral do alto do prédio do início do filme. Desta vez, parte do plano fechado em Thelma para depois subir para o geral. Mistura com a multidão, a mise-en-scène emblematicamente a coloca como uma pessoa como todas as outras ao redor. Ou seja, o sentimento de pertencimento que ela tanto precisa. Concluindo, mesmo no terror, Joachin Trier privilegia os dramas internos dos personagens.
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Ficha técnica:
Thelma | Thelma | 2017 | 1h56min | Noruega, França, Dinamarca, Suécia | Direção: Joachim Trier | Roteiro: Eskil Vogt, Joachim Trier | Elenco: Eili Harboe, Kaya Wilkins, Henrik Rafaelsen, Ellen Dorrit Petersen, Grethe Eltervåg, Marte Magnusdotter Solem, Isabel Christine Andreasen.
Distribuição: Mares Filmes