O cinema estadunidense recorrentemente lança filmes sobre a segregação racial. Os mais contundentes deles expõem a barbárie dos linchamentos de negros nos estados sulistas. Quem assistiu nunca se esquece das atrocidades da Klu Klux Klan em Mississipi em Chamas (Mississipi Burning, 1988), de Alan Parker, por exemplo. Ou das tocantes cenas com Whoopi Goldberg como a sofrida Celie Johnson em A Cor Púrpura (The Color Purple, 1985), de Steven Spielberg. Pois tanto Mississipi quanto Goldberg fazem parte de Till – A Busca por Justiça, da diretora nigeriana Chinonye Chukwu, que chega às telas impulsionada pela publicação em 2022 do Emmett Till Antilynching Act, a lei americana que torna o linchamento um crime federal.
Emmet Till (Jalyn Hall) é um dos protagonistas do filme, cujo primeiro terço se dedica a apresentar esse garoto de 14 anos que foi brutalmente assassinado por racismo. Bo, apelido afetuoso dado pela sua mãe Mamie Till-Mobley (Danielle Deadwyler), cresceu e mora em Chicago. Quando sua avó Alma Carthan (Woopy Goldberg) o incentiva a visitar os primos em Mississipi, Mamie fica preocupada. A cena de abertura revela essa aflição quando vemos a mãe e o filho cantarolando no carro e a câmera se desloca para isolar Mamie no quadro. Então, sua fisionomia muda, fica séria, pois ela se lembra que no dia seguinte Bo viajará sozinho para o sul. A inquietação de Mamie tem motivos concretos. O ano é 1955, e os estados sulistas ainda praticam violência racial contra negros. E o filme faz questão de mostrar que Bo é um menino alegre, animado e amável, porém, ingênuo quanto a essas questão segregacionista que ele nunca vivenciou.
Cartas marcadas
Aliás, esse primeiro terço de Till – A Busca por Justiça é intenso. O filme aproveita o fato de o público saber que esse garoto adorável terá um fim trágico. Assim, cria um suspense sobre o momento em que isso acontecerá, e o que o motivará. Bo comete a besteira de fazer uma gracinha com uma mulher branca casada, e ela aproveita o fato para acender o estopim para o marido e alguns amigos sequestrarem e lincharem o coitado. Sadismo puro com cartas marcadas.
Com a assessoria de consultores negros envolvidos com associações contra a segregação racial, Mamie consegue levar dois homens brancos ao banco de réus. O julgamento acontece no estado de Mississipi, e para lá ela se dirige para prestar seu depoimento. Mas, seu esforço é em vão, pois nesse estado segregacionista, todos no tribunal são brancos, desde o juiz aos jurados, passando até pelo xerife. Ou seja, não há nenhuma chance de os assassinos serem condenados. Mamie sai do recinto durante o mentiroso testemunho da mulher casada que incitou todos contra a vítima.
Cadê a busca por Justiça?
Estranhamente, o filme termina aí, se estendendo apenas para uma rápida cena com Mamie falando ao público num palco montado nas ruas. Com isso, Till – A Busca por Justiça, contrariando esse complemento no título nacional, se restringe a revelar a institucionalização do ódio racial em Mississipi. A atrocidade faz parte desse processo, mas a câmera filma de longe a violência contra o garoto. A intenção não é chocar com essas imagens. Acima de tudo, a intenção é expor o esquema dos brancos racistas para cometerem crimes e saírem ilesos.
Após a última cena, surgem na tela várias cartelas relatando o que aconteceu com os envolvidos e com a questão específica da segregação. Inclusive, a tardia publicação do Emmett Till Antilynching Act, tão atrasada que Mamie já falecera. Sentimos falta de um terceiro ato nesse longa. Embora tenha duas horas e dez minutos de duração, a ausência da luta de Mamie por Justiça enfraquece o filme. As pequenas vitórias que ela conquistou, embora não tenham resolvido essa questão gigante, certamente ajudaram a combater o ódio racial. Assim, seria inspirador vermos Mamie comemorar cada passo nesse sentido.
A ausência complementaria toda a dor que Mamie sofreu. E que a atriz Danielle Deadwyler interpreta sem freios, com gritos de desespero quando o corpo do filho chega de trem. E, no funeral, ela apresenta um belo momento de virada, quando sai de sua posição de vítima para, através da expressão facial resoluta, tomar as rédeas do combate contra os crimes raciais. Justamente por isso, Till – A Busca por Justiça peca por não incluir a sua batalha contra o sistema.
A direção
A diretora Chinonye Chukwu talvez não tivesse voz ativa para incluir esse terceiro ato. Mas, em relação ao seu trabalho de direção, além de soltar o lastro para as interpretações de suas atrizes em seus momentos de desespero, capricha nos enquadramentos. Isso fica evidente já na primeira cena, aquela com Mamie e Bo dentro de um carro cantarolando. Mas, principalmente, ao restringir o quadro, com uma parede ou outro artefato, para conduzir o olhar do público para uma conversa mais íntima entre dois personagens. Por exemplo, entre Mamie e o assessor, na varanda logo após o velório, e entre Mamie e sua mãe.
Enfim, Till – A Busca por Justiça cumpre a função de expor uma sociedade que aceita e permite o ódio racial. Mas perde a oportunidade de emocionar com o processo de luta de uma mãe que se recusou a somente lamentar.
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Ficha técnica:
Till – A Busca por Justiça | Till | 2022 | 131 min | EUA | Direção: Chinonye Chukwu | Roteiro: Michael Reilly, Keith Beauchamp, Chinonye Chukwu | Elenco: Danielle Deadwyler, Jalyn Hall, Frankie Faison, Haley Bennett, Jamie Henell, Whoopi Goldberg, Sean Patrick Thomas.
Distribuição: Universal Pictures.