Todo Tempo Que Temos se sobressai dentro de um subgênero, o do romance interrompido por uma doença terminal, que costuma se limitar ao dramalhão lacrimoso. A direção é do irlandês John Crowley, responsável pelo sensível Brooklyn (2015), estrelado por Saoirse Ronan. Neste seu novo filme, ele e o roteirista Nick Payne, que também é dramaturgo, se preocupam em sair do padrão deste tipo de narrativa.
A começar pela estrutura, que desafia o espectador a descobrir em que posição na linha do tempo cada cena se encontra. O início acelerado, com planos fora de ordem, logo leva à má notícia. Almut (Florence Pugh) está com seu marido Tobias (Andrew Garfield) no consultório médico e a doutora lhe conta que ela tem câncer em estado avançado e precisa iniciar um tratamento agressivo rapidamente, sem garantia de que funcione. A decisão de colocar essa tragédia nos primeiros minutos do filme indica que os realizadores querem evitar o apelo emocional barato. Afinal, o espectador ainda nem teve tempo de criar empatia pelos protagonistas. Portanto, sente menos o impacto dessa notícia do que se ela surgisse no meio da história.
O enredo, além disso, evita o lugar comum de acompanhar o progresso da doença e a consequente exploração do sofrimento da personagem. De pronto, Almut decide aproveitar da melhor forma possível o tempo de vida que lhe resta. Tobias abraça a ideia e a trama segue nesse caminho. Flashbacks intercalados com o presente revelam como foi o relacionamento do casal até agora. Entre eles, o inusitado encontro entre os dois deixa o espectador sem entender nada até descobrir que se trata do passado.
Drama trágico com leveza
Apesar do tema, o tom mantém uma leveza em nível adequado. Os alívios cômicos não extrapolam o bom senso, e se concentram mais nos momentos antes da doença. Vale ressaltar que a química entre Andrew Garfield e Florence Pugh contagia o público. Dois talentosos intérpretes, sem dúvida alguma. Essa sintonia ganha iconicidade no trecho, no início do relacionamento, em que eles se despedem e cada um se encosta na porta, ele do lado de fora e ela dentro, ambos se descobrindo apaixonados. Essa construção de belas imagens parece ser uma das características do diretor John Crowley, evidente também em Brooklyn.
Consistente em não ser apelativo, Todo Tempo Que Temos evita o chororô de uma cena típica de novela das nove. Já na determinação de aproveitar o tempo que resta, Tobias cria um clima romântico para fazer uma declaração de amor (e uma proposta) para Almut. Ao invés de filmar o personagem falando-a, o diretor ousa deixar isso em elipse. A amada pega o texto que o marido escreveu e o lê, sem mostrar ao espectador. Sutilezas como essa elevam o filme a uma outra categoria de drama romântico.
Por outro lado, a trama faz questão de afirmar que esses personagens são humanos. Portanto, não são perfeitos. Almut esconde de Tobias que entrou no concurso de culinária que ela, como chef profissional, deseja muito participar nesse restante de vida que lhe resta. Então, surge o conflito, porque o marido já tinha outra programação, pensando na família. E a decisão dela preenche uma vontade pessoal. Tudo isso colabora para que o clímax emocional provoque lágrimas no público. Mas, sem apelo fácil.
Todo Tempo Que Temos surpreende – um melodrama romântico classudo, leve mesmo sendo trágico, capaz de provocar risos e choros.
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Ficha técnica:
Todo Tempo Que Temos | We Live in Time | 2024 | 108 min. | França, Reino Unido | Direção: John Crowley | Roteiro: Nick Payne | Elenco: Florence Pugh, Andrew Garfield, Adam James, Aoife Hinds, Marama Corlett.
Distribuição: Imagem Filmes.
Trailer: