Durante muito tempo, entendia que Tom Cruise aprendeu a atuar com Martin Scorsese, que aproveitou a personalidade arrogante do astro em proveito de seu filme. Entendia também que atingiu um novo patamar após Stanley Kubrick, que o transformou num astro capaz de transmitir densidade emocional.
Os filmes de Scorsese e Kubrick, cada um deles tendo o protagonismo dividido (com Paul Newman no primeiro, Nicole Kidman no segundo), continuam no topo da lista de trabalhos com Cruise, mas agora entendo que ele já era um bom ator, por vezes ótimo, lá no início dos anos 1980.
Segue aqui uma lista dos 10 melhores filmes protagonizados pelo astro em ordem decrescente de preferência.
01. A Cor do Dinheiro (The Color of Money, 1986) | Direção: Martin Scorsese
A afetação de Tom Cruise neste filme é uma das mais adequadas do cinema. Quando ele imita um samurai, dança com sorriso estampado no rosto ou dá uma tacada olhando para trás, alcança uma graça cômica que jamais será igualada – nem em uma comédia propriamente dita como Trovão Tropical (2008), em que faz um personagem muito curioso. Quando se mostra enciumado porque o veterano Paul Newman abraça sua namorada, acreditamos mesmo que ele não saiba distinguir atuação de provocação e provocação com o intuito de chegar a algum lugar. É como se o ator tivesse nascido para interpretar o jogador talentoso que aprende a ser picareta pela vivência.
Scorsese dirige com maestria o elenco e a câmera de Michael Ballhaus passeia pelas mesas verdes de sinuca como se fosse uma das bolas. Um dos filmes de Scorsese a que assistimos com maior prazer, e parte disso é por conta de Cruise.
02. De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut, 1999) | Direção: Stanley Kubrick
Se A Cor do Dinheiro era a graduação de Tom Cruise, o trabalho em que seu recém conquistado estrelato encontra a melhor tradução na trama, De Olhos Bem Fechados é seu mestrado. No último filme de Kubrick, Cruise tem um de seus melhores papeis, contracenando com uma sublime Nicole Kidman. Piores momentos: as duas visitas à loja de fantasia. Melhores momentos: as outras andanças e demais paragens de Tom Cruise pela noite novaiorquina (construída em Londres), a orgia lúgubre (e o ritual preparatório, principalmente), o diálogo final com Sydney Pollack. Este filme faz empate técnico com o de Scorsese. Ficou em segundo porque consigo imaginar outro ator no lugar de Cruise, apesar de sua ótima atuação.
03. Missão: Impossível (Mission: Impossible, 1996) | Direção: Brian De Palma
Confronto entre o produtor Cruise e o autor Brian De Palma em que o primeiro tenta controlar o segundo sendo só parcialmente bem-sucedido. De Palma dribla o produtor Cruise e trabalha o ator Cruise de maneira basilar, que irá moldar a persona do personagem Ethan Hunt no restante da série. Não me engano: sei muito bem que Cruise controlou também isso. Mas De Palma obviamente conseguiu colocar algo de seu até mesmo na atuação do astro. Como sempre, De Palma consegue transformar uma encomenda num filme minimamente pessoal. Sua mise en scène é quase perfeita, assim como o roteiro de David Koepp e Robert Towne.
04. Colateral (2004) | Direção: Michael Mann
Cruise como vilão e Mann e o diretor de fotografia Dion Beebe (o mesmo de Miami Vice [2006], que viria a seguir) ensinando o cinema americano a filmar com câmera digital. A coloração estranha ajuda este noir contemporâneo a se tornar forte, com um ritmo preciso. Mann é um mestre do cinema urbano. Cruise é o assassino de aluguel que sequestra o taxi dirigido por Jamie Foxx para suas missões. O filme parece melhor hoje do que quando saiu.
05. Minority Report (2002) | Direção: Steven Spielberg
Spielberg estava numa fase boa, tendo aprendido na insistência a fazer filmes adultos. Em seu primeiro longa com Cruise, vemos um noir futurista de tom cinza azulado sobre crimes do futuro. A polícia consegue prever futuros assassinatos e prender os futuros assassinos. Até que Cruise descobre que ele próprio é um futuro assassino. Não só adulto é o filme, mas sombrio e desencantado (apesar do final feliz), com momentos de horror que lembram M. Night Shyamalan, por conta dos gritos da personagem de Samantha Morton. Leia o texto sobre o filme aqui.
06. Guerra dos Mundos (War of the Worlds, 2005) | Direção: Steven Spielberg
Após um prólogo documental, surge o plano à Brian De Palma, em que a câmera sobrevoa um cais e se aproxima vertiginosamente do condutor de guindaste interpretado por Cruise com tamanha veracidade em sua pobreza. Spielberg maneirista. E ainda adulto, em seu segundo filme protagonizado pelo astro.
Adulto e sombrio, mais uma vez, seguindo o caminho aberto por Shyamalan, e retomando os anos da Nova Hollywood num tom ainda mais pessimista. Mais de vinte anos após Contatos Imediatos do 3º Grau (1977) e E.T. (1982), os extraterrestres não vêm mais em missão de paz. A luta pela sobrevivência em meio ao desespero e à selvageria de todos ao seu redor será uma prova para que o protagonista aprenda a zelar por seus filhos. Spielberg estava de mal com a sociedade nessa época. O final feliz é, mais uma vez, uma concessão para não rasgar dinheiro. E remete ao clássico O Incrível Homem Que Encolheu (1957).
07. Missão: Impossível II (Mission: Impossible II, 2000) | Direção: John Woo
No segundo melhor longa da série, John Woo estabelece sua “ação impossível”, brincando com as regras cinéticas como se não houvesse amanhã. O diretor vinha de seu melhor filme americano, A Outra Face (1997), que é também um dos melhores filmes de ação já feitos, e de um telefilme com Dolph Lundgren chamado Blackjack (1998). Cruise ri bastante, desde o começo do filme. É tão ostensivo que o próprio filme fará piada com isso adiante. O baile das máscaras também terá mais espaço, com identidades se alternando e enganando a nós e aos outros personagens.
07. A Chance (All the Right Moves, 1983) | Direção: Michael Chapman
Entre o aço e a bola. Entre a pequena Ampipe, na região de Pittsburgh, e uma grande universidade. Assim está o personagem de Tom Cruise e, indiretamente, sua namorada vivida por Lea Thompson neste belo longa de Michael Chapman, diretor de fotografia de Taxi Driver (1976) e Touro Indomável (1980). Quem não tem conhecimento do futebol americano fica boiando nas cenas de jogo, mas isso não impede o entendimento do que está em jogo: um futuro melhor para todos os envolvidos num país em que perder por pouco é perder e fim de papo.
Aqui não há, num primeiro momento, o “encurtar a distância”, como em Rocky, Um Lutador (1976). A equipe de Cruise dificultou bastante a vitória do time favorito, e só perdeu, de pouco, por um lance acidental no meio de uma forte chuva. Mas o sentimento é de derrota total, o que mostra como funciona a sociedade americana. No fundo, lá como cá, todas as regalias para esportistas, nada para quem quer construir uma carreira artística. Dos primeiros longas protagonizados por Cruise, este é sem dúvida o mais forte.
09. Cocktail (1988) | Direção: Roger Donaldson
Outro filme com o astro que aparenta frivolidade, mas na verdade reflete a crise da sociedade na era dos yuppies, começo do neoliberalismo que formará pessoas desonestas ou desesperadas. Essa crise bate mais forte no homem de meia idade, não é o caso do personagem de Cruise. Na época, Hollywood ainda permitia que filmes assim críticos existissem.
10. Porky 3 (Losin’It, 1982) | Direção: Curtis Hanson
Filme de baixo orçamento que no Brasil se chamou Porky 3 porque foi lançado, com atraso, poucos meses depois do sucesso Porky’s 2 (1983), de Bob Clark. De fato, o filme acaba se aparentando à série de comédias juvenis sacanas feitas a partir do final dos anos 1970, mas pode-se dizer que é uma das melhores delas, junto com Picardias Estudantis (1982), de Amy Heckerling. Ambientado nos anos 1960 e em sua maior parte em Tijuana, Losin’ It tem algumas cenas surpreendentes, principalmente com a jovem Shelley Long, uma das melhores atrizes de sua geração, infelizmente com poucos papeis à altura de seu talento.
O diretor Curtis Hanson fará melhor depois, mas aqui já demonstra capacidade de no mínimo fazer um feijão com arroz bem temperado. O filme é mais famoso por ter Tom Cruise no elenco, um ano antes do jovem, prestes a se tornar astro, atuar em outro filme ambientado nos anos 1960 e quase da mesma época, o superior Vidas Sem Rumo (1983), de Coppola, que não está na lista porque nele Cruise está muito longe de ser um protagonista.
Filme extra (Tom Cruise não é protagonista):
Entrevista com o Vampiro (Interview with the Vampire, 1994) | Direção: de Neil Jordan
Tom Cruise é o primeiro nome nos créditos, mas o verdadeiro protagonista é Brad Pitt, o vampiro entrevistado. O irregular Jordan faz um belo filme homoerótico que se move, ida e volta, do fim do século 18 ao fim do século 20. A relação entre Cruise Lestat e Pitt Louis é turbulenta. Lestat mata com prazer porque sabe que é sua condição. Louis não aceita ter de matar para sobreviver. Uma criança, Kirsten Dunst, surge para salvar a relação, mas só a torna mais difícil. Sua personagem, aliás, é diabólica, mais cruel que os “pais adotivos”. Cruise está afetado como é para seu personagem ser. No todo, uma belíssima adaptação de Anne Rice. Leia a crítica do filme aqui.
Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.