Tony Manero é o mundo invertido dos filmes sobre competições de talentos. O drama sombrio do diretor chileno Pablo Larraín traz um protagonista que surpreende por ser o oposto do talentoso jovem de boa índole que rala para superar as condições adversas e perseguir o seu sonho. Interpretado pelo veterano ator de séries de TV Alfredo Castro, também coautor do roteiro, o personagem Raul Peralta é um desempregado (ele se declara dançarino) de 52 anos obcecado pelo personagem de John Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite (Saturday Night Fever, 1977).
A história acontece no final dos anos 1970, e o filme de John Travolta ainda está em cartaz num pequeno cinema do bairro pobre de Santiago, onde Raul assiste ao filme várias vezes para poder repetir os passos de Tony Manero na apresentação que prepara no minúsculo bar embaixo do quarto onde mora. Mas, seu maior sonho é se apresentar num programa de talentos da televisão e ganhar o prêmio da competição de melhor imitador de John Travolta.
Até aí, o filme não foge tanto das fórmulas desse subgênero de filme. Porém, ainda nos minutos iniciais, o diretor Pablo Larraín desfere uma paulada nas nossas expectativas. Um golpe tão forte quanto o que derruba violentamente a idosa que Raul aparentemente parecia ajudar. Dessa forma, inesperada, descobrimos quem de fato é o protagonista e que filme tipo de filme é esse. Ainda que o filme de John Badham também se desenrole num ambiente pesado, Tony Manero mergulha ainda mais fundo no tom de desilusão.
Brutalidade
Aliás, Raul se assemelha, física e psicologicamente, a Travis Bickle, o protagonista vivido por Robert De Niro em Taxi Driver (1976). A psicopatia de Raul explode nas telas com brutalidade, em pontos específicos do filme. O impacto é fulminante porque são poucos esses momentos, mas são inesperados. Por isso, nem precisam mostrar violência explícita. De fato, nesse quesito o filme surpreende pelo sexo oral, ainda que rápido (uma tentativa, na verdade, pois Raul está impotente). E, Larraín demonstra inteligência ao concluir o filme com uma elipse na cena final, com a certeza de que o espectador já sabe o que o protagonista psicopata fará em seguida, sem precisar mostrar isso na tela.
Além disso, durante o filme, Larraín utiliza reiteradamente planos que se iniciam com um close desfocado. O costume é que a câmera corrija o desfoque até vermos o personagem nitidamente, mas em Tony Manero o desfoque continua. Causa desconforto intencional, acentuando o que um protagonista como esse provoca no público e, também, nos demais personagens.
Por fim, um ingrediente adicional deixa mais tenso o ambiente. Como pano de fundo, paira a ameaça da ditadura militar, muito próxima a Raul. Assustado, ele testemunha agentes federais assassinando um homem que portava material de oposição. E, perto do final, esses mesmos agentes abordam as pessoas que vivem com Raul.
Enfim, um filme que retrata a desilusão canalizada para a violência por um indivíduo incapaz de conviver socialmente e de aceitar sequer que tirem seu filme de cartaz. Sempre a ponto de explodir, Raul Peralta é o Travis Bickle chileno.
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Ficha técnica:
Tony Manero | Tony Manero | 2008 | 97 min | Chile, Brasil | Direção: Pablo Larraín | Roteiro: Alfredo Castro, Mateo Iribarren, Pablo Larraín | Elenco: Alfredo Castro, Amparo Noguera, Héctor Morales, Paola Lattus, Elsa Poblete, Nicolás Mosso, Enrique Maluenda, Marcelo Alonso, Antonia Zegers, Marcial Tagle.