O longa cearense Transversais, dirigido por Émerson Maranhão, chega ao circuito comercial no dia 24 de fevereiro de 2022. Antes, o filme teve exibições na Mostra Internacional de São Paulo, Cine Ceará e Mix Brasil.
Produzido por Allan Deberton (de Pacarrete), o documentário apresenta os depoimentos de quatro pessoas trans que resgatam suas histórias, seus processos de autodescoberta e de trânsitos e jornadas, além de também de uma mulher cisgênero, mãe de uma adolescente trans. Mesmo sofrendo censura do governo federal, que publicamente anunciou que “não tinha cabimento fazer um filme com este tema” e declarou que ele seria “abortado” do edital da Ancine em que era finalista, o filme está circulando em festivais antes de fazer sua estreia em circuito comercial.
As quatro pessoas que participam do filme são: Samilla Marques, uma funcionária pública; Érikah Alcântara, uma professora; Caio José, um enfermeiro; e o acadêmico Kaio Lemos. Eles e elas passaram por um delicado processo de autoaceitação até compreenderem a sua subjetividade. Hoje vivenciam tecnologias de gênero, como hormônios e cirurgias, que lhe asseguram uma aparência condizente com a maneira como se veem, mas ainda sofrem com a incompreensão, o estranhamento e o preconceito.
Já a jornalista Mara Beatriz, mulher cisgênero, enfrentou a transfobia de perto e refez sua vida ao tomar conhecimento que era mãe de uma adolescente transgênero. Hoje, é uma das mais ativas militantes do grupo Mães pela Diversidade no Ceará.
Transversais é um o documentário é de extrema importância tanto pelo momento político atual quanto pela visibilidade que dá à causa da transgeneridade. “Eu gostaria muito que esse documentário pudesse contribuir para mudar esse cenário tão pavoroso em que vivemos hoje no País. Acho difícil, mas não impossível. É um trabalho de formiguinha. No entanto, se cada espectador que assistir ao filme despir seu olhar dos preconceitos costumeiros para se permitir conhecer esses personagens tão especiais, sentir suas dores e alegrias, e deixar que essas trajetórias tão bonitas e únicas toquem seus corações e mentes, acho que teremos um excelente começo”, comenta o diretor.
O longa, que parte de dois projetos anteriores do diretor, uma websérie e um curta, foi muito bem recebido em sua estreia na 45a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Agora, estreia nos cinemas com distribuição da Deberton Filmes.
Depoimentos das entrevistadas e entrevistados
Samilla Marques Aires
“Transversais, para mim, é um rompimento de paradigmas. É desconstruir padrões da nossa sociedade cisheteronormartiva, mostrando nossos corpos e nossas corpas de pessoas trans. Mais que um filme, Transversais para mim é um ato político no momento que a gente vive no País.
“Para mim, estar em Transversais é um motivo de orgulho. Fico muito feliz de compartilhar minha história, para que as pessoas conheçam nossas dificuldades e, mais que isso, nossas superações. Para mim, este filme é sobre superação. É claro que tem que ter muita coragem, nem todo mundo gosta de expor suas dores. Mas, de certa forma, me alivia fazê-lo no momento em que pode ajudar outras pessoas”.
Kaio Lemos
“Desde 2018, que a população LGBTQIAP+, e mais especificamente a população trans, está vivendo anos de perseguição e retrocesso em relação aos nossos direitos básicos. A gente vive uma situação muito preocupante em relação a essa população. Nós estamos vivendo uma pandemia de covid-19, mas também vivemos uma pandemia de discursos de ódio, de violência e de morte. É um cenário de pavor. E a população trans é uma das mais atacadas, numa violência legitimada por esse desgoverno atual. A nossa identidade é constantemente colocada em jogo. Acredito que Transversais tem essa potência de desconstrução, a partir das narrativas, das vivências e das práticas dessas pessoas trans que estão no filme. Tudo isso é muito importante. Acredito que Transversais tem a potência de estabelecer um diálogo com a sociedade. Que seja uma forma de combater essa violência, que não é só discursiva, é de ações. Ao mostrar a nossa realidade, o filme se torna uma eficaz ferramenta de combate ao patriarcado, ao machismo e ao falocentrismo tão vigentes.
“Participar de Transversais, para mim, é muito importante. Especificamente nesse filme, eu me senti muito bem, eu me sinto em casa. Até porque a maior parte da equipe era de pessoas trans. Isso me permitiu ficar muito mais à vontade, me permitiu me entregar mais, ter liberdade com o meu corpo, ter liberdade com as coisas que eu queria falar e que eu falei. Não que as pessoas cis que estão na equipe não se interessassem, elas se esforçam. Há claramente um esforço de compreensão. As filmagens foram uma situação insider. Eu me senti nessa condição, dentro, participante dessa construção. Foi um diálogo compartilhado. Foi muito bom! Também porque eu acredito que minha experiência vai dialogar com muitas outras pessoas trans no Brasil. O compartilhamento de minha narrativa é uma forma de sensibilizar outras pessoas que estão passando por isso”.
Mara Beatriz
“Nos dias de hoje, em que a gente está enfrentando tanto ódio, tanta LGBTfobia, o filme que vai mostrar como pessoas trans conseguem superar adversidades, conseguem combater essa LGBTfobia vai ajudar a muitas outras pessoas com essas questões em suas vidas”.
Participar de Transversais foi uma experiência única. A gente nunca tinha feito cinema antes, mas foi muito acolhida. A gente se sentiu muito honrado em ter a nossa história tão fielmente abordada, e de forma tão respeitosa. É um filme que eu tenho certeza que ajudará outras famílias a se relacionarem com pessoas trans”.
Caio José Batista
“Eu acho que este filme é de fundamental importância para o momento em que estamos vivendo. Porque ele traz uma grande visibilidade para a causa trans”.
Foi muito legal participar de Transversais. Foi muito desafiador também, porque é um longa! E eu tive medo de não suprir as expectativas. É um projeto grande e as expectativas são proporcionais, né? Mas no fundo, foi muito legal porque eu consegui rever coisas dentro da minha vida e ver quão importante elas são para a pessoa que eu sou hoje, e que essas minhas vivências podem ajudar a outras pessoas que passam por experiências similares”.
Érikah Alcântara
“O filme traz a oportunidade de dar visibilidade a pessoas trans dentro de diversos contextos, para além da segregação social imposta, com que comumente somos representadas. O filme mostra que, diferentemente do que a sociedade costuma apontar, nós podemos ser o que quisermos, vivenciar rotinas familiares, rotinas de afeto, rotinas profissionais. Isso tudo de uma maneira muito natural.
“Para mim, participar de Transversais foi muito marcante, tanto porque eu pude relatar boa parte de minha vida, quanto porque uma pessoa muito querida minha, que inclusive participa do filme, partiu vítima da covid-19. Então, esse filme tem uma das últimas imagens dele e isso é muito forte. Sem falar, repito, na oportunidade de mostrar nosso dia a dia, que é um dia a dia comum, mas geralmente as pessoas não fazem ideia disso”.
Foto: divulgação