Em seu segundo longa-metragem, a diretora Leyla Bouzid, também autora do roteiro, leva para as telas uma história de amor inspirada por suas origens. Assim como a personagem Farah (Zbeida Belhajamor), de Um Conto de Amor e Desejo, a cineasta nasceu na Tunísia. Ao imigrar para a França para estudar na Universidade de Sorbonne em Paris, Farah conhece o jovem Ahmed (Sami Outalbali), seu colega de classe nas aulas de Literatura, que é o principal protagonista do filme.
O enredo de Um Conto de Amor e Desejo mergulha nos dilemas que Ahmed enfrenta. Seus pais são da Argélia, que, como a vizinha Tunísia, também foi colônia da França. Apesar de se sentir profundamente atraído por Farah, ele se acha obrigado a reprimir seu desejo por conta de sua compreensão sobre a religião que segue. Com isso, decepciona Farah e rompe um elo de amizade e amor que estava se fortalecendo. Então, ao descobrir antigos livros eróticos árabes, consegue compreender mais sobre sua origem e, assim, supera seus bloqueios.
O erotismo é um tabu para Ahmed. Antes mesmo de se envolver com Farah, ele se sente constrangido na aula de Literatura, porque a professora enfatiza esse aspecto no material que ela seleciona para o estudo. Ahmed cogita até desistir do curso. O roteiro de Leyla Bouzid utiliza a literatura como paralelo simbólico para a repressão sexual autoimposta do protagonista do filme, em especial na primeira parte da história, quando essas aulas e a relação com Farah representam ameaças ao estado confortável de sua assexualidade. Como efeito colateral, exige que sua irmã também se comporte como ele.
Palavras que libertam
Por outro lado, o filme usa os livros como instrumento de libertação para Ahmed. A princípio, ele se fixa num ponto de vista rígido, valorizando o amor não consumado. Depois, ao visitar as páginas de textos árabes do século 10, descobre raízes profundas de sua ancestralidade que bebiam do sexo livremente. Nesse ínterim, Ahmed se excita ao ler um livro, como se as palavras tivessem um poder mais forte do que a própria mulher desejada.
Por fim, um poema árabe antigo sobre o amor quebra seu bloqueio e o leva à superação. Nasce, assim, o amante e, provavelmente, o poeta. Que, aliás, já estava fisicamente pronto para assumir esse papel, tanto que Um Conto de Amor e Desejo insiste em marcar a sua sensualidade desde o banho que abre o filme, passando pela alucinação do corpo masculino sendo cortado dos pés à cabeça. Após sua autolibertação, Ahmed assume esse corpo, e não mais enfrentará estranhamentos, como o saxofonista que toca e exala sons de violoncelo, cena que ele vê quando passeia à noite com Farah, já repleto de desejo que ainda procurava reprimir.
Enlouquecida pelo sexo negado
Um Conto de Amor e Desejo retrata essa passagem com muita força, mesmo sem expor explosões de loucura pelo sexo negado – como vimos em Clamor do Sexo (Splendor in the Grass, 1961). Nesse filme de Elia Kazan, a personagem de Natalie Wood sofria essa dor tão intensamente que enlouquecia. E, curiosamente, a cena crucial desse descontrole emocional se passava também numa sala de aula, enquanto ela lia um poema.
Sami Outalbali, da série Sex Education, e a estreante Zbeida Belhajamor retratam com frescor seus personagens que são opostos, mas ligados por uma irresistível atração. Ao contrário do histrionismo de Natalie Wood, perfeito para aquele papel, Sami e Zbeida atuam adequadamente contidos, como de fato agiriam Ahmed e Farah. A sensação que temos é de que a diretora Leyla Bouzid conhece profundamente o tema que aborda.
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Ficha técnica:
Um Conto de Amor e Desejo | Une histoire d’amour et de désir | 2021 | 102 min | Direção e roteiro: Leyla Bouzid | Elenco: Sami Outalbali, Zbeida Belhajamor, Diong-Kéva Tacu, Aurélia Petit, Mahia Zrouki, Bellamine Abdelmalek, Mathilde Lamusse, Samil El Hakim, Khemissa Zarouel, Sofia Lesaffre.
Distribuição: Bonfilm.
Trailer:
Entrevista com Sami Outalbali:
O filme está no Festival Varilux de Cinema Francês, que acontece entre 25 de novembro e 8 de dezembro de 2021.
