O flash forward que, ao contrário do flashback, antecipa um acontecimento futuro, se tornou banal. E, quando isso acontece, acaba sendo usado a torto e a direito, muitas vezes da forma errada. O início do filme franco-belga Um Silêncio, de Joachim Lafosse, exemplifica o seu mau uso. Como o longa se baseia na história real de Victor Hissel, advogado especialista na defesa de famílias vítimas do assassino em série Marc Dutroux, que ganhou grande repercussão na Bélgica, não faz sentido provocar a ansiedade do espectador usando o flash forward como ferramenta, para que ele assista o restante da trama para descobrir o que significa essa cena introdutória. Mesmo que nem todo o público, principalmente o de outros países, conheça esses fatos, ainda assim seria mais emocionante apresentar a narrativa cronologicamente.
Com ou sem flash forward, o objetivo do enredo é desvendar, camada a camada, o sombrio mistério envolvendo o advogado, aqui chamado de François Schaar e interpretado por Daniel Auteuil. Ele está sob os holofotes da imprensa, pois é o patrono das vítimas em uma ação judicial de grande repercussão. Sem que o filme entre nos detalhes, ele representa uma família que busca justiça pela perda de seus filhos. Por isso, os repórteres cercam a casa de François na esperança de um novo depoimento dele sobre o caso.
Mas François tem um segredo bombástico que sua esposa Astrid (Emmanuelle Devos) e sua filha Caroline (Louise Chevillotte) conhecem. O filho adotivo Raphael (Matthieu Galoux) é o único da família que desconhece o assunto, pelo menos oficialmente. E o fato de todos terem escondido dele essa mancha do pai desestabiliza ainda mais esse jovem adulto já atormentado.
A direção
O diretor Joachim Lafosse cria esse mistério na forma de filmar. Usa predominantemente planos fechados, que não mostram muito o que há ao redor, dando preferência à câmera fixa, reforçando a sensação de uma visão restrita, que se adequa à sensação de saber só uma parte da verdade. A sequência dos créditos iniciais, que traz Astrid dirigindo pelas ruas, demonstra essa busca – a câmera se fixa apenas no espelho retrovisor interno que mostra os olhos da personagem, enquanto o restante do quadro está desfocado.
A fotografia escura (pelo menos na cópia do screener enviado pela distribuidora) acentua o tom de mistério. Embora este não seja um filme policial, e sim um drama, o segredo que todos escondem é bombástico. E sinistro, ainda que Lafosse opte por não mostrar o crime diretamente na tela, apenas sons enquanto ele é cometido, ou fora de cena (na parte final). Uma opção que prima pelo respeito, evitando até que estimule outros criminosos, mas que, da maneira como foi empregada, dilui o impacto emocional.
A quase sempre presente cena de dança nos filmes franceses dá as caras em Um Silêncio, quando Astrid baila com seu filho Raphael em casa. Desta vez, até com uma justificativa narrativa, pois significa que o elo entre eles é muito mais forte do que deles com o marido/pai, que os observa de longe às escondidas (enquanto prefere outras formas de se divertir). Por outro lado, não há desculpas para usar a música eletrônica que não combina com o momento em que Raphael sai do hotel sozinho e cai na noite, sem saber o que fazer.
Embora mantenha a coerência do uso dos recursos que causam a sensação de visão restrita, Um Silêncio acaba dissipando a tensão com algumas más escolhas, entre elas desnecessários clichês do cinema francês e mundial desnecessários.
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Ficha técnica:
Um Silêncio | Un silence | 2024 | 101 min. | Bélgica, França | Direção: Joachim Lafosse | Roteiro: Joachim Lafosse, Thomas Van Zuylen | Daniel Auteuil, Emmanuelle Devos, Matthieu Galloux, Jeanne Cherhal, Louise Chevillotte.
Distribuição: Imovision.