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Viver

Avaliação:
10/10

10/10

Crítica | Ficha técnica

“Viver”: O comovente drama urbano e existencial de Kurosawa

“Viver” é um dos melhores filmes de Akira Kurosawa, uma resposta brilhante aos que o criticavam por não abordar temas do Japão contemporâneo nas suas produções. Aqui ele provoca sem sutilezas os burocratas que nada fazem, e amplia isso para a questão universal da busca por um sentido na vida.

O cineasta japonês coloca sua genialidade em vários momentos de “Viver”, nunca gratuitamente, sempre em prol da narrativa. Logo na primeira cena, escancara uma imagem de um exame de raio-X do estômago do personagem principal, Kenji Watanabe (Takashi Shimura). Enquanto isso, um narrador o apresenta como um funcionário público em cargo de chefia, completamente desinteressado com seu trabalho e até com sua vida pessoal. No escritório, simplesmente carimba os documentos, e não se preocupa com os problemas dos cidadãos, ignorando sua função de relações públicas da cidade.

Em raro alívio cômico de “Viver”, Kurosawa insere uma sequência de montagem que ironiza o trabalho dos servidores públicos. Assim, vemos uma reivindicação de um grupo de moradores se transferindo de um departamento ao outro, pois cada seção quer se livrar da responsabilidade endereçando para outro setor. Mesmo nesse momento, o diretor evita qualquer escapismo; o humor simplesmente embala a acidez da crítica social.

O uso do som merece destaque. Logo após perceber que o médico tenta esconder que Watanabe possui câncer terminal, há um sepulcral silêncio. Este só é quebrado quando ele anda atordoado pelas ruas por causa dessa notícia e o som barulhento de um caminhão, que quase o atropela, o assusta. Recurso semelhante aparece quando um estridente acorde de trompetes corta o som ambiente.

Melodrama comovente

A interpretação de Takashi Shimura possui uma intensidade difícil de se obter em um personagem que quase não fala, e quando o faz, apenas balbucia as palavras. O ator utiliza seu corpo para demonstrar como se sente, exibindo o corpo curvado e os ombros caídos após saber de sua doença. No bordel, quando ele canta, em tom muito baixo, uma triste canção cuja letra poética retrata o que o angustia, e lágrimas correm de seus olhos, é impossível resistir ao melodrama.

A doença força a reflexão de Watanabe sobre os anos desperdiçados após a morte de sua esposa, ainda jovem. Então, passou a se dedicar à criação sozinho de seu filho único, fechando-se a tudo o mais que o cercava, inclusive o emprego, ao qual comparecia assiduamente mas sem realizar nada concretamente. Seu filho, agora crescido e casado, não lhe dá atenção, apesar de viverem na mesma casa. Resolve sair para beber, o que não era seu hábito. Assim, encontra um homem que o convida a curtirem juntos a noite, bebendo e dançando em boates. Num desses ambientes, a câmera passeia pelos espelhos da casa noturna, revelando o quão atordoado Watanabe se sente.

Uma razão para viver

Mas a noitada não ajuda em nada o pobre homem. No dia seguinte, uma de suas funcionárias o procura para que ele assine sua carta de demissão. A jovem, brincalhona e cheia de vida, acaba contaminando Watanabe, que finalmente se diverte ao passear pela cidade com ela. Pela primeira vez, um sorriso aparece no rosto de Watanabe. Mas, após alguns dias, a relação está desgastada. Então, em um último encontro, ele finalmente descobre uma razão para viver. Ele resolve lutar pela reivindicação que algumas moradoras levaram ao seu departamento para a criação de uma praça em um terreno onde hoje há esgoto. Nesse momento, poeticamente, uma turma no restaurante onde Watanabe está com sua amiga canta “Happy Birthday” para a aniversariante do grupo. Simbolicamente, é o renascimento dele.

Por fim, a última parte do filme acontece no velório de Watanabe, onde as pessoas presentes não se importam realmente com o falecido, inclusive o filho e a nora. As únicas que aparecem e derrubam lágrimas por ele são as mulheres que reivindicaram e, devido aos esforços dele, conseguiram a construção da praça. Ou seja, finalmente, no crepúsculo de sua vida, Watanabe fez sua existência valer a pena.

Os colegas burocratas prometem, então, seguir os passos do antigo chefe. No entanto, uma das últimas imagens de “Viver” mostra um deles desaparecendo atrás da papelada no escritório.


 
Ficha técnica:

Viver (Ikiru, 1952) 143 min. Dir: Akira Kurosawa. Rot: Akira Kurosawa, Shinobu Hashimoto, Hideo Oguni. Com Takashi Shimura, Shinichi Himori, Haruo Tanaka, Minoru Chiaki, Miki Odagiri, Bokuzen Hidari, Minosuke Yamada, Nobuo Kaneko, Makoto Kobori.

Assista à vídeo-crítica no canal Leitura Fílmica:

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