As Ondas, o terceiro longa-metragem do jovem diretor e roteirista Trey Edward Shultz, reflete aquela obra de um artista com muitas ideias que encontra uma forma de canalizá-las. O filme foge do padrão do cinema clássico, e fica evidente desde sua primeira cena que tudo foi cuidadosamente planejado.
A primeira cena se situa dentro de um carro e a câmera digital filma um giro de 360 graus em seu interior, revelando os personagens que ali se encontram. A música que toca lá dentro é agitada, no ritmo acelerado da velocidade do veículo. A câmera agitada segue o personagem Tyler (Kelvin Harrison Jr.), acompanhando o seu modo de vida enlouquecido. Somente quando ele está com sua família ele parece mais tranquilo, e a câmera, então, permanece fixa nessas cenas, como aquelas na igreja e no café.
Essa movimentação toda de Tyler esconde a fragilidade de sua personalidade, que se manifesta quando uma lesão física o impede de continuar a praticar o wrestling. Isso é suficiente para ele se sentir perdido, pois seu pai exige que ele se dedique à luta livre e seja vencedor nos torneios. Então, ele acaba recorrendo às drogas e às bebidas, e termina seu relacionamento com a namorada Alexis (Alexa Demie). Ao tentar se aproximar dela, uma tragédia acontece. Aliás, esse momento é habilmente representado por um fade out que deixa a tela preta durante um bom tempo, instigando no público o incômodo que o personagem sente.
Mudança de perspectiva
Trey Edward Shultz, então, surpreende ao mudar a perspectiva de As Ondas desse momento em diante. Assim, a protagonista passa a ser Emily (Taylor Russell), a irmã de Tyler que, até então, era personagem coadjuvante. E Tyler voltará às telas apenas para uma breve participação.
O trabalho de câmera agora é outro. Refletindo a personalidade mais equilibrada da caçula, ela pouco se movimenta e fica parada em várias cenas. Apesar disso, Emily sente raiva de seu irmão por ter vitimado sua amiga Alexis e porque ela é hostilizada pelas pessoas após a tragédia. Mas, ao presenciar a reconciliação do namorado com o pai dele, ela desperta a compaixão e o perdão dentro dela. Ela absolve seu irmão e ajuda os pais dela, que brigaram depois da tragédia de Tyler, a se reconciliarem. Ela representa, então, o elemento pacificador do filme, aquele que semeia a capacidade de aceitar, perdoar e seguir em frente.
As Ondas mostra como é frágil nossa existência, como qualquer decisão errada pode mudar completamente nossa vida. E embrulha essa realidade com uma perspectiva otimista. Assim, a cena de Emily andando de bicicleta abre e fecha o filme, afirmando assim que a compaixão deve embalar todas as vivências, boas ou más. A primeira metade é mais frenética e com tema mais contundente; a segunda desacelera e pede uma pausa para reflexão.
Assim como Anos 90, que também conta com Alexa Demie no elenco, As Ondas representa o melhor do cinema indie contemporâneo realizado nos EUA, ambos premiados em vários festivais.
Ficha técnica:
As Ondas (Waves, 2019) EUA/Canadá. 135 min. Dir/Rot: Trey Edward Shultz. Elenco: Taylor Russell, Kelvin Harrison Jr., Alexa Demie, Bill Wise, David Garelik, Justin R. Chan, Joshua Brockington, Krisha Fairchild, Renée Elise Goldsberry, Vivi Pineda.