A abertura do filme Yannick introduz o seu filme de maneira fluída. Parte do registro do proscênio, da visão do espectador em relação ao palco do teatro. Aos poucos, quebra o documental com closes e movimentações da câmera. Finalmente, vira cinema em definitivo quando mostra o contracampo, a visão dos atores para o público. E, lá no meio, um rosto se sobressai, visivelmente incomodado. É de Yannick, o verdadeiro protagonista desta história e não aqueles em cima do palco. Interpretado por Raphaël Quenard (num papel muito mais apropriado para sua persona do que aquele de O Cheiro do Ouro [CASH, 2023]), esse espectador se revolta porque não está gostando da peça.
Lembrando aquela cena do primata em The Square (2017), de Ruben Östlund, Yannick desconcerta todos os presentes – atores e espectadores – ao se levantar e interromper a peça para reclamar em voz alta o seu descontentamento com o espetáculo. Abalado emocionalmente por morar longe e ter um emprego ruim, sente ainda mais desesperança ao se defrontar com um fracassado esforço em se divertir. Mas, além de incômodo, ele logo se torna agressivo. E uma verdadeira ameaça quando retorna com um revólver, após desistir de ir embora.
Ao questionar a qualidade da peça, propõe a si mesmo o desafio de escrever uma nova. Mas, então, a trama se afrouxa com um quase bem-sucedido contra-ataque, que serve mais como oportunidade cômica e, de quebra, para indicar que o poder corrompe. Além disso, fica sempre o incômodo, e o roteiro tenta justificar sem muita convicção o impedimento de alguém usar o celular discretamente para chamar a polícia. Um problema, aliás, que poderia ser resolvido com facilidade estipulando que o enredo se passa numa época antes do celular.
Fôlego na reta final
Enfim, o filme volta a ganhar fôlego quando Yannick obriga os atores a interpretarem a sua peça, que ele escreve ali mesmo no palco. Surge, assim, a oportunidade de questionar a arte. No lugar da insossa peça em cartaz, escrita por um profissional, que está ausente, a desajeitada obra do revoltado espectador, escrita sem nenhuma técnica e ainda cheia de erros gramaticais, tem a força da autenticidade. Por isso, provoca risos na plateia, e um choro emocionado do autor, ao alcançar algo que lhe é tão grandioso, um impensável sonho para uma pessoa que sabe de sua condição humilde.
Diferente do protagonista do filme, o diretor e roteirista Quentin Dupieux está longe de ser um amador. Este já é o seu 15º longa. Deerskin (2019) e Fumar Causa Tosse (Fumer fait tousser, 2022), entre outros, revelam uma filmografia que busca a originalidade. E Yannick reforça que Dupieux adere ao lema do filme: desprezo à arte comercial e mediana e valorização daquela verdadeira e ousada.
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Ficha técnica:
Yannick | 2023 | França | 65 min | Direção e roteiro: Quentin Dupieux | Elenco: Raphaël Quenard, Pio Marmaï, Blanche Gardin, Sébastien Chassagne, Agnès Hurstel, Jean-Paul Solal.
Trailer aqui.
O filme Yannick está na programação da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Distribuição: MUBI (a partir de 5 de abril de 2024)