O tema da eutanásia é tão complicado que o próprio filme A Despedida não se decide em como abordá-lo.
O filme é uma refilmagem do longa dinamarquês Coração Mudo (Stille hjerte, 2014), dirigido por Billie August. A princípio, o mesmo roteirista Christian Torpe parece trilhar o pacífico caminho da aceitação da decisão da eutanásia. Porém, a estória toma outros rumos.
Antecipando a morte
Em A Despedida, Lily (Susan Sarandon) está com uma doença terminal, e antes que entre em estado vegetativo, marca o dia em que tomará os medicamentos que suprimirão a sua vida. Então, Lily reúne as duas filhas, Jennifer (Kate Winslet) e Anna (Mia Wasikowska), e sua melhor amiga Liz (Lindsay Duncan), para passarem os seus últimos dias junto com ela e o marido Paul (Sam Neill). Apesar de as filhas não se darem bem, todos na casa se esforçam para que a despedida seja agradável. Nesse grupo, incluem-se o marido e o filho de Jennifer e a namorada de Anna.
Até então, o diretor Roger Michell alterna momentos que comprovam a deterioração da saúde de Lily com outros com variações das combinações possíveis de reunião dos personagens. Assim, testemunhamos as desavenças entre as irmãs, bem como entendemos a decisão da eutanásia na conversa entre Paul e seu neto adolescente.
Após as lágrimas…
A Despedida apresenta seu momento mais emocionante quando todos se sentam à mesa para uma ceia antecipada de Natal. Logo, quando Lily começa a distribuir seus presentes, justificando a escolha de cada um deles, é difícil conter as lágrimas. Porém, ao final desta mesma cena, a sua caçula Anna não suporta mais esconder os ressentimentos que nutre pela mãe. Segundo ela, a mãe nunca lhe deu a atenção e o apoio que necessitava. Por isso, ela hoje é uma jovem mulher fragilizada.
Na verdade, Anna não estraga apenas a ceia de Natal, mas também o próprio filme. Afinal, a partir daí A Despedida assume outro eixo narrativo e degringola. É claro que essa virada na narrativa se justifica como o conflito necessário para criar o drama do filme. De fato, era preciso sacudir o caminho confortável que levava a um desfecho sereno.
Porém, o problema é que os conflitos não são bem trabalhados no filme. Por exemplo, o confronto entre Anna e a sua mãe se resolve de forma superficial, numa rápida conversa entre elas. Com isso, a estória desperdiça uma linha dramática que poderia render, se devidamente aprofundada.
Além disso, há uma sequência dispensável de briga e reconciliação do casal Jennifer e Michael. É um trecho artificial e forçado que serve como um deslocado alívio cômico. Aliás, essa impressão vem também do fato de o ator Rainn Wilson, da série humorística The Office, interpretar o marido.
Suspense
Por outro lado, A Despedida desvia seu curso para uma outra subtrama, que instiga uma surpreendente mudança de tom. De forma inesperada, essa conversão poderia colocar o filme no gênero suspense, com a eutanásia se transformando em um premeditado plano de assassinato. Porém, o longa prefere não seguir por esse caminho, e tudo se encaminha para a conclusão que já estava desenhada na cena da ceia de Natal. O que surge após esse jantar não é devidamente aprofundado e desenvolvido. Como resultado, o terço final se torna enfraquecido, e deixa esvair a alta carga dramática que havia criado.
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Ficha técnica:
A Despedida (Blackbird) 2019. EUA. 97 min. Direção: Roger Michell. Roteiro: Christian Torpe. Elenco: Susan Sarandon, Kate Winslet, Mia Wasikowska, Sam Neill, Anson Boon, Rainn Wilson, Lindsay Duncan, Bex Taylor-Klaus.