A Mais Bela é o filme de esforço de guerra de Akira Kurosawa. Lançado entre os dois A Saga do Judô, relata o cotidiano das trabalhadoras de uma fábrica de material ótico bélico. O comprometimento delas ilustra muito da cultura japonesa, na qual o coletivo sempre está acima do individual. Em tempos de guerra, então, essa máxima ganha uma dimensão ainda maior. O filme apresenta vários exemplos nesse sentido.
O enredo traz vários personagens, não há apenas um ou dois protagonistas. Takashi Shimura, Soji Kiyokawa e Ichiro Sugai, os nomes mais conhecidos do elenco, interpretam os chefes da fábrica. A atriz mais famosa do filme é Takako Irie, que faz a responsável pelo alojamento das trabalhadoras. Estas compõem o elenco predominantemente feminino.
Logo no início da história, o personagem de Takashi Shimura faz um discurso inflamado e contagiante sobre a contribuição que todos devem fazer para o Japão vencer a guerra. Assim, anunciam que as cotas mínimas de produção aumentarão em 100% para os trabalhadores homens e 50% para as mulheres. As trabalhadoras se revoltam, não contra o aumento, mas porque querem incrementar em dois terços a produção. O motivo dessa reivindicação não tem relação com feminismo. Elas simplesmente estão comprometidas em se sacrificar pelo seu país. E marcham, acompanhadas de bumbos e cantoria, rumo ao trabalho.
Sacrifícios individuais
A trama, então, foca em alguns casos individualizados de algumas trabalhadoras. Evitando situações paralelas, basicamente o roteiro assume um formato episódico e conta os relatos um a um. Por exemplo, uma moça está doente e com febre, mas pede para que a senhora que cuida do alojamento não conte para ninguém, pois, se descobrirem, os chefes a mandarão para casa.
Porém, chega um momento em que os esforços são tão puxados que a produção começa a decair, após ter subido consideravelmente. Algumas despencam de fadiga, outras ficam irritadas facilmente. Os chefes, ao contrário do que se poderia imaginar, entendem a situação, e sempre apoiam as empregadas.
No caso mais dramático, uma das trabalhadoras mais experientes, depois de ser chamada para atender uma emergência, se confunde e não confere uma das lentes antes de passar adiante. Preocupada que essa lente vá para o front de batalha e um soldado seja ferido ou morto por causa dela, ela decide varar a noite reconferindo todas as caixas daquele turno. Quando termina, de madrugada, encontra os chefes que continuaram na fábrica esperando em solidariedade.
A Mais Bela mostra que Akira Kurosawa ainda está lapidando o seu talento. É demasiadamente didático na sequência que explica, usando a fala e o flashback, o erro da trabalhadora. Por outro lado, já antecipa a característica de filmar os pés dos personagens para indicar movimentação. E ainda usa a montagem para dar um tom cômico na sequência do jogo de vôlei. Chama a atenção também o domínio da filmagem de cenas com vários grupos de pessoas – o que ele aperfeiçoará até as batalhas espetaculares de jidai gekis como Kagemusha (1980) e Ran (1985).
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Ficha técnica:
A Mais Bela | Ichiban utsukushiku | 1944 | Japão | Direção: Akira Kurosawa | Roteiro: Akira Kurosawa | Elenco: Takashi Shimura, Soji Kiyokawa, Ichiro Sugai, Takako Irie, Yojo Yaguchi, Sayuri Tanima, Sachiko Ozaki, Shizuko Nishigaki, Asako Suzuki, Haruko Toyama, Aiko Masu, Kazuko Hitomi, Shizuko Yamada, Itoko Kono.