Pedro Almodóvar fazendo filme de gênero? O suspense e terror A Pele que Habito (2011) comprova que sim, mas à sua moda, sem perder o seu autorismo.
Na verdade, o cineasta espanhol já trabalhara o suspense em filmes anteriores. Por exemplo, em Matador (1986) e em Fale com Ela (Hable con Ella, 2002), com ótimos resultados. O terror, propriamente dito, é inédito na sua carreira. Porém, A Pele que Habito não é o terror típico do gênero. Nele, não encontramos sustos (os famigerados jump scares), violência gráfica, nem mesmo o clima sombrio que marcam essas produções. Até por contar com um protagonista que é um cirurgião bem-sucedido, Robert Ledgard (Antonio Banderas), a trama se desenrola em sua casa chique e modernamente asséptica. E isso se traduz na tela em cenários clean, onde o branco impera, o que contrasta com as cores fortes da filmografia de Almodóvar. Mas, que é inesperado porque o terror costuma explorar os tons de cores acentuados, em especial o vermelho que virou marca registrada do diretor.
A trama
Baseado no livro “Mygale”, de Thierry Jonquet, a história se passa num futuro muito próximo – 2012 (o filme foi lançado um ano antes). O Dr. Ledgard mora na cidade histórica Toledo (outro contraste intrigante, do futuro científico na cidade medieval), onde possui um laboratório para suas experiências de vanguarda com pele humana. Sem recorrer a trilha sonora soturna ou ambientes esquisitos, Almodóvar cria um suspense imenso a respeito da paciente misteriosa (Eva, vivida por Elena Anaya) que esse médico mantém em cativeiro. O filme deixa esse fato em sigilo, mas revela elementos que inserem uma desconfiança de algo sinistro acontecendo nesse local. Assim, mostra que a esposa de Ledgard quase morreu queimada, quando fugia com o amante, o filho mau caráter de sua governanta (que foi criado no Brasil). Então, ele tentou recuperar obsessivamente sua pele toda danificada.
Terror classudo
A chave para o mistério está no relato de seis anos antes que o filme apresenta perto da sua metade. Nele, encontramos uma dupla perspectiva, no estilo Rashomon (1950), de outra tragédia na vida do cirurgião. A filha dele cresceu traumatizada pela morte da mãe e, numa saída da clínica de tratamento, aparentemente foi violentada. Sob a perspectiva do médico, acreditamos que o estupro aconteceu, mas na visão do rapaz envolvido nessa situação, entendemos que não foi bem assim. Com isso, o enredo já condena a barbárie que Ledgard cometerá como vingança, fechando as portas para qualquer interpretação a favor da justiça pelas próprias mãos.
Quando a narrativa retorna ao presente, as peças se encaixam, e desvendam o horrível segredo por trás de todo esse cenário. A revelação por si só é chocante, e Almodóvar evita recursos que a tornem bombástica. A Pele que Habito prefere ser um diferenciado terror classudo, uma opção inesperada para o estilo exuberante que o cineasta apresentou em obras como Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios, 1988).
Final explicado (spoilers adiante)
Para quem não entendeu a trama de A Pele que Habito, esclarecemos aqui. Apesar de sua dedicação compulsiva, o Dr. Ledgard não conseguiu reconstituir a pele queimada de sua esposa. Ao ver seu estado no reflexo do vidro da janela, ela se suicida pulando da janela e aterrissando perto de onde sua filha Norma brincava. Esta fica traumatizada com o evento, e o pai a interna em uma clínica.
Numa primeira saída social, Norma, sob efeito de medicamentos, quase transa com Vicente, um rapaz que ela acaba de conhecer na festa. Quando a moça começa a gritar assustada, Vicente se assusta e foge. O Dr. Legard vê o rapaz fugindo numa moto e depois encontra a filha em estado de choque. Acreditando que ela foi estuprada, o médico rapta Vicente. Norma se suicida por causa do incidente, e Legard resolve transformar Vicente em uma mulher, como vingança. Após seis anos, a mudança está completa, e Vicente, agora Vera, seduz Legard. Logo, aproveita uma oportunidade para matar Legard e a governanta e fugir de volta para a sua mãe.
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Ficha técnica:
A Pele que Habito | La Piel que Habito | 2011 | 120 min | Espanha, Estados Unidos | Direção: Pedro Almodóvar | Roteiro: Pedro Almodóvar, Agustín Almodóvar | Elenco: Antonio Banderas, Elena Anaya, Jan Cornet, Marisa Paredes, Roberto Álamo, Eduard Fernández, José Luiz Gómez, Blanca Suárez, Susi Sánchez, Bárbara Lennie.