“A Ponte do Rio Kwai” é cinemão clássico no melhor sentido dessa classificação. A realização é de um grande estúdio, a Columbia Pictures, em formato scope e em technicolor. Adicionalmente, conta com um produtor poderoso, Sam Spiegel, supervisionando de perto o trabalho do diretor David Lean. O orçamento era astronômico, e permitiu a construção de uma ponte de verdade, em locação no Ceilão (hoje Sri Lanka), para ser explodida no final do filme.
Mas, o diretor precisou ceder a pelo menos uma concessão para o sucesso comercial do projeto. E foi a escalação de algumas mulheres no filme. Dessa forma, o elenco não ficaria exclusivamente masculino. Mas, as presenças forçadas da enfermeira que flerta com o herói americano e das jovens birmanesas que ajudam o grupo que destruirá a ponte não causa dano a esse que é um dos maiores épicos de guerra de todos os tempos.
Birmânia, hoje Myanmar
A estória, baseada no livro de Pierre Boulle, se passa em 1943 na Birmânia (hoje Myanmar). Especificamente, em um acampamento do exército japonês, que obriga os seus prisioneiros americanos a construírem uma ponte sobre o Rio Kwai. Então, os japoneses capturam também um pelotão inglês, que chega ao local marchando e assobiando a música “Colonel Bogey”. Na Segunda Guerra Mundial, os ingleses cantavam essa canção como uma paródia que tirava sarro de Hitler. A melodia e a disciplina dos soldados, comandados pelo Coronel Nicholson (Alec Guiness), impressionam a todos.
Quem comanda o campo de prisioneiros, de forma ditatorial, é o Coronel Saito (Sessue Hayakawa). Logo, sua prática de empregar oficiais em trabalhos forçados contraria o coronel inglês, que sabe que a medida desobedece a Convenção de Genebra. Então, começa um duro duelo psicológico entre os dois comandantes. Em pouco tempo, o determinado Nicholson chega à beira da morte, trancafiado em uma cabana debaixo de um calor insuportável. Mesmo assim, ele não desiste. Nesse ponto, a cena em que Alec Guinness sai do local apelidado de “forno” para falar com Saito é impressionante. Quase um morto-vivo, Guinness mantém a dignidade do oficial inglês no embate de palavras. Merecidamente, o futuro Obi-Wan Kenobi levou o Oscar de melhor ator por “A Ponte do Rio Kwai”.
Superioridade britânica
A vitória de Nicholson sobre Saito contrasta uma emocionada comemoração de todos os prisioneiros, aproveitando toda a largura da tela em scope, e o lamento solitário do comandante derrotado. Saito cede porque Nicholson representa a única chance de concluir a construção da ponte dentro do prazo determinado por seus superiores. O coronel inglês deseja demonstrar a superioridade dos britânicos e abraça a missão desafiadora de realizar a obra, apesar de seus companheiros entenderem que isso significaria ajudar o inimigo.
Enquanto isso, o norte-americano Shears (William Holden) consegue fugir pela selva. Então, o exército inglês o resgata, e o usa para guia-los até o local da construção para explodir a ponte. Shears não pretende voltar até o local de onde escapou, mas não tem alternativa. Os ingleses sabem que ele fingiu ser um oficial para obter privilégios no campo de prisioneiros. Assim, caso ele se negue a aceitar essa tarefa, será denunciado. Finalmente, um pequeno grupo parte então para a difícil missão.
O roteiro
O brilhante roteiro mantém o interesse durante as duas horas e quarenta minutos do filme. Primeiro, no duelo psicológico entre Nicholson e Saito. Depois, nos trabalhos dos ingleses para construir a ponte. Em paralelo, acompanhamos ainda a difícil fuga de Shears pela selva, que em seguida enfrentará esse difícil caminho retornando para o local da ponte. E, finalmente, o momento sublime da tentativa de explodir a construção.
O filme ganhou o Oscar pelo roteiro adaptado, mas, na época, somente Pierre Boulle recebeu o prêmio. Carl Foreman e Michael Wilson estavam na lista negra anticomunista e não puderam ser creditados. O reconhecimento chegou tardiamente, em 1984. Foreman morreu depois de poucos meses e Wilson já tinha falecido muito antes, em 1978.
Os personagens
A construção dos arcos dos personagens principais de “A Ponte do Rio Kwai” é exemplar. Saito possui a dignidade de uma cultura samurai, e se sente desonrado pela derrota no duelo com Nicholson. Ainda assim, engole seu orgulho para cumprir sua missão de construir a ponte, e, ao final da obra o vemos segurando um punhal que o libertará através do suicídio.
Nicholson espelha esse oficial inimigo, igualmente guiado por princípios inabaláveis que lhe fortalecem para vencer Saito. Mas, essa obstinação por dedicação atrapalha o seu julgamento.. Afinal, ele acaba auxiliando o inimigo ao concluir a construção da obra. Então, perto do seu fim, tem um momento de clareza, quando se pergunta “O que eu fiz???”. E, quase inconsciente, consegue sua redenção.
Já Shears representa o oposto dos dois honrados oficiais. Ele é malandro, suborna um soldado japonês para ser mantido na enfermaria e assim escapar dos trabalhos forçados. Na verdade, só aceita a missão de destruir a ponte porque corre o risco de ser denunciado por fingir ser mais graduado do que realmente é. Porém, também ganha a oportunidade de se redimir, e arrisca sua vida para explodir a ponte.
Enfim, tudo funciona em “A Ponte do Rio Kwai”. É um ótimo exemplo de cinema clássico que ganhou sete Oscars: melhor filme, direção, ator principal, roteiro, fotografia, edição, e trilha musical.
Como curiosidade, o famoso tema do filme está em “A Dama Oculta” (The Lady Vanishes, 1938), de Alfred Hitchcock, quando o protagonista vai tomar banho assobiando a sua melodia.
Ficha técnica:
A Ponte do Rio Kwai (The Bridge on the River Kwai, 1957) Reino Unido/EUA, 161 min. Dir: David Lean. Rot: Carl Foreman, Michael Wilson. Com William Holden, Alec Guinness, Jack Hawkins, Sessue Hayakawa, James Donald, Geoffrey Horne, André Morell, Peter Williams, John Boxer, Percy Herbert, Harold Goodwin, Ann Sears, Heihachiro Okawa, Keiichiro Katsumoto, M.R.B. Chakrabandhu, Vilaiwan Seeboonreaung, Ngamta Suphaphongs, Javanart Punynchoti, Kannikar Dowklee.
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