A Rotina Tem Seu Encanto é o último filme da carreira do diretor Yasujiro Ozu, lançado um ano antes de sua morte. Nele, o cineasta japonês mantém o seu estilo marcante, ao mesmo tempo que apresenta uma abordagem diferente para uma tradição numa sociedade japonesa com fortes influências ocidentais.
O enredo
Shuhei é um viúvo com três filhos adultos. Enquanto o mais velho, Koichi, já vive em outra casa com sua esposa, os mais novos moram com o pai. Seguindo o costume da sociedade patriarcal no Japão, a filha Michiko de 24 anos cuida da casa e dos homens que neva habitam. Mas ela está visivelmente incomodada com esse papel.
Em paralelo, Shuhei cultiva o hábito de sair à noite com os amigos para comer e beber. Um deles insiste para que ele providencie logo um casamento para a filha Michiko. Adicionalmente, Shuhei testemunha o desgosto da filha de seu professor de ginásio, que os amigos convidam para um jantar de confraternização. Esse professor contou com os cuidados da filha após perder a esposa, e, assim, ela nunca se casou e nunca pôde se dedicar a sua própria vida. Como resultado das sugestões do amigo e, diante da amargura da filha do professor, Shuhei decide casar Michiko. Contudo, ele sabe que sentirá falta da rotina atual.
Análise
Da mesma forma que em Pai e Filha (1949), bem como em outros filmes de Ozu, o tema de A Rotina Tem Seu Encanto é o casamento da filha. Porém, aqui há o diferencial da influência ocidental no Japão dos anos 1960. Tal qual ocorria nos EUA, os novos aparelhos domésticos invadem os lares. Por um lado, essa mudança veio a facilitar os afazeres domésticos das donas de casa. Por outro, as mulheres despertam de sua posição submissa. Nesse sentido, Michiko reclama aos homens de sua casa, que chegam tarde da noite e esperam que ela sirva o jantar. De maneira mais incisiva, a sua cunhada demanda que o marido tenha mais juízo ao gastar o orçamento apertado do casal.
E na conclusão do filme, após o casamento de Michiko, o caçula da família já demonstra que assumirá os cuidados da casa e do pai. E isso já indica uma nova opção para a sociedade japonesa, que até então assumia que as mulheres deviam cuidar dos homens. Definitivamente, Ozu, que sempre retratou a sociedade japonesa em seus filmes, faz questão de apontar essa transformação na posição da mulher nesse cenário. Dois outros momentos reforçam essa suspeita.
Primeiro, na figura do amigo de Shuhei que se casou com uma mulher bem mais nova. Apesar de ele se gabar das vantagens dessa escolha, ele obviamente se tornou submisso às vontades dela.
Segundo, quando o amigo que sugere o casamento de Michiko convida os outros dois companheiros para sua casa. Nesse trecho, a composição da cena coloca em primeiro plano a única mulher do grupo, a esposa do amigo. Sem que nenhum personagem encubra o outro, mais afastados estão os homens, sugerindo a nova posição da mulher na sociedade.
Modernidade
Igualmente, o sinal dos tempos também é evidenciado durante os pillow shots usuais de Ozu. De fato, aqueles planos que servem para cadenciar o filme, bem como dar um tempo de reflexão ao espectador, retratam aqui as indústrias e a verticalização urbana, resultado da contínua influência americana do pós-guerra.
Assim, em seu último filme, Ozu retrata novamente o cotidiano da sociedade japonesa, desta vez refletindo o efeito da modernidade de sua época. Provavelmente, não fosse sua morte precoce aos 60 anos, esse seria o direcionamento de seus próximos filmes.
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Ficha técnica:
A Rotina Tem Seu Encanto (Sanma no aji) 1962. Japão. 113 min. Direção: Yasujiro Ozu. Roteiro: Kogo Noda. Elenco: Chishu Ryu, Shima Iwashita, Keiji Sada, Mariko Okada, Teruo Yoshida, Noriko Maki, Shin’ichiro Mikami, Nobuo Nakamura.