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Pai e Filha (filme)
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Pai e Filha

Avaliação:
10/10

10/10

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Crítica | Ficha técnica

“Pai e Filha” exemplifica o cinema padronizado e consistente do diretor Yasujiro Ozu, tanto na forma de filmar como em sua temática.

O roteiro, co-escrito por Ozu e seu constante parceiro Kogo Noda, aborda o dilema de Noriko (Setsuko Hara), que sofre pressões da amiga, da tia, de todos enfim, para que se case. Com 27 anos, ela vive com o pai viúvo (Chishu Ryu) e se sente feliz assim, e não vê motivos para o casamento. Ao mesmo tempo em que acompanhamos o cotidiano de Noriko, se aproxima o momento em que ela a convencem a conhecer um rapaz “parecido com Gary Cooper”, indicado pela tia para se casar. A resistência da moça ao miai (casamento arranjado) somente é quebrada através de um plano do pai, que se aproveita do ciúme que ela sente por ele.

O assunto é praticamente idêntico a de outros shomin-geki (filmes sobre pessoas comuns) de Ozu. Inclusive na repetição dos atores principais de outros títulos de sua filmografia. Setsuko Hara normalmente interpreta a filha – muitas vezes com o nome Noriko – e Chishu Ryu costuma assumir o papel de seu pai. A constante visita aos dramas familiares em momento de dissolução foca o recorte também recorrente da preocupação em casar a filha que se aproxima dos 30 anos.

A música tranquila e o ritmo cadenciado, criado por cortes segundos antes e após a ação da cena, enfatizam o tema cotidiano da história. Os pillow-shots, que são as breves tomadas, geralmente sem pessoas, que intercalam as sequências, dão ainda tempo para o espectador limpar sua mente do que assistiu antes para absorver melhor o que verá em seguida. A encenação do teatro Nô, que aparece nas telas por vários minutos, retrata o andamento do filme, porque o ator quase não se move.

A ousadia da câmera estática

E a câmera imóvel, posicionada à altura de uma pessoa sentada no chão – hábito dos japoneses dentro de casa -, representa a característica mais facilmente identificável do estilo Ozu, que com isso consegue um enquadramento aperfeiçoado até os mínimos detalhes. Em “Pai e Filha”, a câmera ainda se movimenta um pouco. Por exemplo, há travellings na sequência do passeio de bicicleta de Noriko e seu amigo, e quando a moça e o pai caminham pela rua em calçadas opostas, após uma discussão. Além disso, uma arriscada tomada com a câmera no estreito espaço entre um trem em movimento e a mureta.

Esse ritmo lento não significa falta de ousadia do cineasta. Ozu quebra convenções do cinema clássico. A câmera estática não deixa de ser uma audácia, criticada por muitos à época, que procuravam reduzir o seu cinema a teatro filmado. Juntamente com essa não movimentação, o diretor filma os atores falando diretamente para a câmera, nas cenas de diálogo. Assim, evitando o comum esquema campo/contracampo, Ozu traz ao espectador maior envolvimento na conversa.

Porém, o maior atrevimento está na quebra da convenção do eixo, o que para muitos críticos era considerado um erro. Numa das cenas iniciais, o trem que leva Noriko e seu pai à cidade parte em direção à direita e no final corre para a esquerda. Quando ela conversa com sua amiga à mesa, primeiro vemos Noriko sentada à esquerda, e, em outro enquadramento posterior, à direita.

Simbolismos

O uso de simbolismos nas imagens também se destaca no filme. Após se irritar com o conselho de sua amiga Aya para que se case, Noriko sai enfurecida da casa dela. O pillow-shot subsequente mostra revistas despencando de uma pilha de livros, designando a quebra da harmonia da amizade entre as moças. Neste e em outros títulos de Ozu, vemos insistentemente a presença de roupas penduradas ou em manequins, o que pode representar tanto a imobilidade da câmera como dos papéis sociais das pessoas, este originando filmes com temas semelhantes.

No começo do filme, o pai tira seu paletó e o joga no chão, e Noriko rapidamente o recolhe para guarda-lo. O assunto do casamento da moça amadurece e, perto da metade da estória, o pai pega um objeto no chão do quarto de Noriko e o coloca sobre a mesa, significando que ele aceita a ideia de executar as tarefas domésticas. Já nas cenas finais, ele mesmo está pendurando seu paletó.

A transformação dos personagens principais não segue uma fórmula clássica, porque nenhum evento ou aventura grandiosos ocorrem para justificar a mudança. Esta surge como parte do processo da vida, como explica o próprio pai à filha. O ciclo dela com o pai já se encerra, e agora ela deve seguir seu caminho e construir a felicidade no casamento.

Humor

Além disso, há pitadas de humor, que colaboram com a sensação agradável de assistir “Pai e Filha”, apesar de ele ser essencialmente um drama. Um menino se revolta com o castigo imposto pela mãe e, assim que ela vira as costas, gesticula como se arremessasse uma bola contra ela. É uma gag que agrada a Ozu, e que aparece em outros de seus filmes, como em “Dia de Outono” (Akibiyori, 1960). Outro exemplo de seu humor aparece quando a tia encontra uma carteira no chão e, apesar de dizer ao irmão que pretende devolvê-la, sai correndo com ela quando vê a aproximação de um policial.

Por outro lado, o drama comove sem ser melodramático. Nesse sentido, Noriko sofre ao interpretar que seu pai se casará novamente, sentindo ciúmes por outra pessoa assumir o seu papel. Já o pai consegue enfim seu objetivo de casar a filha, cumprindo a obrigação que assume consigo mesmo para que não se torne um obstáculo à vida dela. Porém, ele também se entristece. Assim, as lágrimas correm dos olhos desses protagonistas em cenas tocantes. Sem gritarias nem músicas melosas. É Ozu retratando fielmente seu povo.


Pai e Filha (filme)
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