Quinto filme do diretor Tony Richardson, A Solidão de uma Corrida Sem Fim (também conhecido como A Solidão do Corredor de Fundo) reforça os valores e a forma do Cinema Novo Britânico (British New Wave). Mas já se abre a novidades.
Os valores
Em relação à forma, mantém a fotografia em preto e branco, a fim de trazer um retrato realista da conjuntura na qual a história acontece. Nessa linha, conta um relato contemporâneo, focado na juventude, na geração que sucede o boom econômico do pós-guerra. Esses jovens veem com desprezo o materialismo dos pais, resultante do maior poder aquisitivo por conta do crescimento nos países que venceram a Segunda Guerra Mundial. O filme traz tudo isso com contundência, embora indiretamente. Assim, vemos a cenas emblemática na qual o protagonista Colin (Tom Courtnay) queima uma nota de 1 libra, após testemunhar a sua mãe se esbaldando nas compras com o dinheiro do seguro de vida do recém-falecido marido. E uma libra valia o equivalente a uma diária de hotel, como demonstra o longa em outro trecho.
A vantagem material após a morte do marido representa o que a própria Inglaterra obteve após a guerra que matou quase 900.000 britânicos. No mesmo sentido, um simbolismo muito forte está no trabalho que os internos do reformatório Ruxton Towers, para onde Colin é enviado, devem executar. Ou seja, eles desmontam máscaras de gás usadas na guerra, para que suas peças possam ser reutilizadas.
Além disso, A Solidão de uma Corrida Sem Fim destaca a incompatibilidade de valores entre os jovens e a geração anterior. É isso que leva Colin e seu melhor amigo a tirarem sarro do pronunciamento do Primeiro Ministro, cujas palavras não fazem sentido para eles. Acima de tudo, essa diferença de valores fundamenta a narrativa principal do filme. Daí se explica a atitude de Colin na corrida de 7,5 km que é tão importante para o diretor do reformatório. Durante o trajeto, flashes de tudo o que a história mostrou (e até do que não mostrou) golpeiam a mente do protagonista, que pensa em mil coisas ao mesmo tempo. Por fim, sua decisão responde ao que ele realmente sente, e não à sujeição das vontades da geração mais velha apenas para agradá-la.
A forma
A influência da Nouvelle Vague moldou o movimento reflexo no cinema britânico. Assim, encontramos em A Solidão de uma Corrida Sem Fim características daquela disrupção francesa. Primeiramente, as filmagens em locações, tanto na região onde fica o reformatório Ruxton Towers, quanto nos flashbacks em Nottingham. Ademais, a câmera na mão acompanha o olhar dos personagens em vários momentos, até mesmo quando o ônibus chega ao internato, passando também pela visão de um intruso no dormitório dos rapazes.
Essa libertação do tripé faz companhia ao rompimento das amarras do cinema clássico. Por isso, Tony Richardson ousa usar transições em formato de estrela durante a sequência das compras da mãe de Colin. Da mesma forma, acelera as imagens nos finais de algumas cenas. Aliás, tanto nesses momentos quanto em outros, o filme assume o tom cômico, que estava ausente nos primeiros exemplares do Cinema Novo Britânico. Com isso, Richardson também se liberta da própria British New Wave.
Por tudo isso, A Solidão de uma Corrida Sem Fim representa um ainda pulsante retrato geracional. Com esse olhar acusador em relação à geração anterior, e a abertura ao humor, o filme representa um marco crepuscular desse movimento do cinema britânico.
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Ficha técnica:
A Solidão de uma Corrida Sem Fim / A Solidão do Corredor de Fundo | The Loneliness of the Long Distance Runner | 1962 | 104 min | Reino Unido | Direção: Tony Richardson | Roteiro: Alan Sillitoe | Elenco: Tom Courtenay, Michael Redgrave, Avis Bunnage, Alec McGowen, James Bolam, Joe Robinson, Dervis Ward, Topsy Jane, Julia Foster.