Enquanto D.W. Griffith criava a narrativa no cinema na América, F.W. Murnau fazia o mesmo no Velho Continente. Em A Última Gargalhada, ousou realizar um longa-metragem mudo sem as cartelas. Estas eram o artifício muito usado para escrever na tela algum diálogo falado por um personagem ou explicar a situação para que o espectador compreendesse a estória, quando não havia som nos filmes. Murnau confiava que as imagens por si eram suficientes para comunicar o que se passava.
Apesar da ausência das cartelas, o filme apresenta um texto no prólogo e um antes do epílogo. Este último, provavelmente para que Murnau expusesse seu descontentamento por encerrar com um forçado final feliz. Com exceção desses dois casos, A Última Gargalhada não possui cartelas – se bem que esses dois textos não se caracterizam propriamente como tais. No lugar delas, o diretor usa sua criatividade para encontrar soluções para inserir alguma explicação expressa necessária para a narrativa. Assim, as palavras entram na tela de forma diegética, como parte da mise-en-scène, por exemplo, na carta do patrão que o personagem lê.
A história
A história conta o declínio de um homem quando perde o emprego de porteiro em um hotel chique. O ambiente requintado, o uniforme elegante, o contato com a alta classe, tudo isso lhe dá prestígio no bairro pobre em que vive, onde caminha orgulhoso perante os vizinhos. Porém, devido à idade, ele é transferido da recepção para o banheiro.
Murnau mostra o arrasador efeito da transferência de cargo sobre o homem através das imagens. Ao sair do hotel, tem alucinação com o prédio caindo sobre ele. A sua própria sombra cresce atrás dele, um recurso do diretor oriundo do expressionismo alemão, quando ele decide roubar o uniforme para comparecer trajado à festa de casamento de sua filha. Ele bebe muito na celebração, e a câmera se move com ele sentado na câmera. É um efeito inovador para a época, cortando para a câmera subjetiva e um desfoque para revelar seu desmaio. Ainda em imagens expressionistas, ele vê tudo distorcido em alucinações.
Crítica social
A Última Gargalhada carrega uma forte crítica à diferença das classes sociais. Alterna imagens do protagonista tomando uma sopa sentado sobre uma cadeira no banheiro masculino, e imagens da alta classe jantando um abastado banquete. Porém, a atitude dele, totalmente arrasado, não corresponde ao desejo do cliente do hotel que quer ser atendido servilmente. O homem, então, aparece no centro do quadro com as portas se abrindo e fechando sobre ele como se o castigassem.
O epílogo, porém, estraga o clima pesado do filme. Um texto explica que um final assim seria pesado demais e insere um epílogo que inventa que um hóspede milionário deixa uma fortuna para o homem. E aí vemos ele todo feliz, comendo um banquete e recebendo coisas que ele comprou. Ainda que ele acabe dando gorjetas generosas aos funcionários do hotel, e tratando-os bem, a crítica social acaba enfraquecida. De fato, é como se o protagonista abraçasse o pensamento burguês e materialista.
Aliás, esse final, que parece imposto por razões comerciais, estraga o filme. Mas, até essa parte, A Última Gargalhada é brilhante.
Por outro lado, o filme também é historicamente importante para o cinema porque um jovem Alfred Hitchcock, que filmava no mesmo estúdio dessa produção, pôde acompanhar o trabalho de F.W. Murnau. Com isso, pôde compreender que as imagens valem mais que as palavras. Tal crença o guiou por toda a sua carreira dali em diante.
Ficha técnica:
A Última Gargalhada (Der letzte Mann, 1924) Alemanha, 77 min. Dir: F.W. Murnau. Rot: Carl Mayer. Elenco: Emil Jannings, Maly Deschalft, Max Hiller, Emilie Kurz, Hans Unterkircher, Olaf Storm, Hermann Valentin, Georg John, Emmy Wyda.