A história de A Última Sessão não é nova, mas ganha um charme único no filme do diretor e roteirista Pan Nalin. Afinal, se trata de um enfoque indiano, de um país que organicamente desenvolveu uma indústria localmente poderosa e independente de Hollywood.
A comparação com Cinema Paradiso (1988), de Giuseppe Tornatore, chega a ser inevitável. Os dois filmes retratam a paixão crescente pela sétima arte de um menino que faz amizade com o projecionista do cinema de uma cidadezinha do interior.
Nesse que é o quinto longa ficcional de Pan Nalin, o menino é Samay. Após se encantar ao assistir a um filme (todas as citações aqui são de clássicos indianos), ele decide que quer fazer filmes. Mas o pai o proíbe, pois essa atividade não é digna dos brâmanes. O enredo não caracteriza o pai como um vilão, porém, certamente o torna uma figura severa e conservadora, que apela aos castigos físicos para educar o filho.
Cada vez mais, Samay demonstra seu talento natural para trabalhar com cinema. Para começar, prova ser um belo contador de estórias, capaz de entreter os amigos com uma aventura que ele relata por meio das ilustrações que estampam as caixas de fósforos. Um pouco depois, ele está fazendo experimentos com a luz, usando pedaços de vidros coloridos e a sua mão.
Espectador compulsivo
Mas o ímpeto de ver filmes acaba colocando Samay em apuros. Ao cabular a aula para entrar numa sessão do cinema sem pagar, acaba perdendo o trem que o leva para casa. Certa vez, ele é pego e expulso do cinema. Por sorte, acaba conhecendo o projecionista, e ele lhe propõe um acordo. Em troca da marmita do menino, o homem deixa-o assistir aos filmes de dentro da sala de projeção. Até aí, seus pequenos delitos não causam prejuízo significativo para ninguém. E, como Truffaut roubando pôsteres em A Noite Americana (1973), servem para enfatizar o amor ao cinema.
Contudo, o filme de Pan Nalin causa certo empecilho nessa trama essencialmente nostálgica e ingênua ao colocar Samay, com a ajuda dos amigos, roubando rolos de filmes. A justifica narrativa se encontra no fato de que esse material servirá para Samay aprender (ou para o filme ensinar ao espectador) como funcionam na prática a edição, a projeção, a sonoplastia, enfim, todas as etapas do processo cinematográfico. As soluções são engenhosas, embora inocentes e quase artificiais. E, vale constatar, que o garoto é devidamente punido por sua contravenção.
Os filmes nunca morrem
A parte final se dedica ao declínio do cinema. Por ser um recorte indiano, cuja indústria se manteve forte mesmo diante das ameaças da televisão, do home vídeo, e do streaming, o perigo vem da modernidade. Ela afeta a atividade da projeção, e o amigo projecionista se vê substituído por um operador de computador para projeção digital.
O melhor do filme vem como consequência. Samay segue o caminhão que leva os rolos de películas que se tornaram inúteis. O imenso galpão com toneladas desse material ganha um ar assustador – já não são mais estórias, mas apenas lixo reciclável, que se transformam em plástico. Samay olha através dos tubos de polímeros e eles são ocos, vazios, desprovidos de toda riqueza, de toda magia, que os rolos de filmes continham.
Entretanto, A Última Sessão e Samay se recusam a concluir esse relato num tom pessimista. Ao embarcar na jornada de sua futura carreira, a voz de Samay vira voz de adulto, e enxerga, em cada conjunto de pulseiras que ele vê nos braços das passageiras do trem, uma correspondência com importantes cineastas – primeiro os indianos, depois os internacionais. Afinal, as películas podem desaparecer, mas os filmes sobrevivem – na pior das hipóteses, pelo menos nas memórias dos seus espectadores.
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Ficha técnica:
A Última Sessão | Chhello Show | 2021 | 110 min. | Índia, França, EUA | Direção: Pan Nalin | Roteiro: Pan Nalin | Elenco: Bhavin Rabari, Bhavesh Shrimali, Richa Meena, Dipen Raval, Paresh Mehta.
Distribuição: CUP Filmes.
O filme A Última Sessão estreia no dia 12 de dezembro, com exclusividade no CineSesc.