Como “Vidas em Jogo” e tantos outros filmes, “A Vida em Preto e Branco” também bebe nas fontes da série “Além da Imaginação” ao criar uma trama fantástica com crítica moral e social. Assim, David (Tobey Maguire) e sua irmã Jennifer (Reese Witherspoon) levam uma vida superficial, o garoto viciado no seriado dos anos 50 chamado “Pleasantville”, e a garota só atrás de sexo casual na escola. Ambos ignoram a mãe, e vibram pela oportunidade de ela deixá-los a sós em casa.
Então, um reparador de equipamentos de televisão os transporta para dentro do seriado pelo qual David é fanático. Como era típico da época da produção do seriado, seu enredo enfatizava o moralismo conservador e preconceituoso do padrão norte-americano interiorano, onde as aparências importavam mais que tudo. Pois a presença desses dois intrusos inadvertidamente quebrará o equilíbrio desta sociedade.
O filme utiliza de maneira radical o simbolismo das cores, aqui retratadas em tons extremamente vivos. Já que o seriado dos anos 50 era em preto e branco, as transformações que passarão a ocorrer nesse ambiente padronizado se representarão pelo colorido.
Moralismo
A princípio, a barreira aparenta simplesmente a quebra do moralismo pudico em relação ao sexo, e Jennifer logo começa a derrubá-la com seu ímpeto fogoso, fazendo aparecer algumas cores na cidade. Porém, aos poucos se revela que o idealismo cobre outras camadas, como preconceitos sociais, raciais, escolhas sexuais. Em análise mais profunda, o filme defende a liberdade de você ser quem você realmente é.
Os pais dos personagens de David e Jennifer no seriado ilustram esse modo de vida. Dormem em camas separadas. A mãe (Joan Allen, em interpretação magnífica), sempre bem vestida, mesmo dentro de casa, é a dona de casa perfeita. O jantar está sempre pronto às 18 horas, para quando o marido (William H. Macy) chegar do trabalho com a típica frase “Querida, cheguei!”. O materialismo capitalista aparece nos móveis e eletrodomésticos de última linha e na preocupação em conseguir uma promoção no serviço.
A mãe, contudo, dá voz a suas vontades internas e começa a se abrir para o balconista de lanchonete Bill (Jeff Daniels), que também se descobre como um grande pintor. Ambos começam a ganhar cores. Na cena mais dramática, o mundo ideal vendido pelo seriado obriga David a maquiar sua mãe com tons preto e branco, para que ela não sofra preconceito da sociedade por aparecer em cores. Em contraponto cômico, posteriormente o pai chega em casa e não encontra sua esposa e pergunta, preocupado, “Cadê meu jantar?”.
Metalinguagem
Filmado em cenário construído no Malibu Creek State Park, na Califórnia, “A Vida em Preto e Branco” exercita a metalinguagem – lembrando o enredo de “A Rosa Púrpura do Cairo” (The Purple Rose of Cairo, 1985) de Woody Allen – para criticar com o simbolismo das cores as máscaras que a sociedade impõe às pessoas, que precisam então vencer as barreiras que acabam se auto impondo, para realmente serem quem são. A jornada de David e Jennifer, a fim de conseguirem “se colorir”, ilustra essa luta.
O roteirista Gary Ross, que escreveu “Quero Ser Grande” (Big, 1988), resolveu produzir e estrear como diretor em “A Vida em Preto e Branco”. Apesar do ótimo resultado obtido, viria a dirigir novamente somente “Seabiscuit – Alma de Herói” (Seabiscuit, 2003) e “Jogos Vorazes” (The Hunger Games, 2012).
Ficha técnica:
A Vida em Preto e Branco (Pleasantville, 1998) 124 min. Dir/Rot: Gary Ross. Elenco: Tobey Maguire, Reese Witherspoon, William H. Macy, Joan Allen, Jeff Daniels, J.T. Walsh, Don Knotts, Marley Shelton, Jane Kaczmarek, Giuseppe Andrews, Jenny Lewis, Marissa Ribisi, Denise Dowse, McNally Sagal, Natalie Ramsey, Paul Walker, Dawn Cody, Maggie Lawson, Andrea Baker.
Assista: Reese Whiterspoon fala sobre “A Vida em Preto e Branco”