Frank Capra já era um diretor estabelecido em Hollywood quando dirigiu Aconteceu Naquela Noite (It Happened One Night). Mas esse filme o alçou a um patamar superior. Primeiro, porque lançava um novo tipo de gênero, a screwball comedy (comédia maluca). Segundo, porque o filme foi o primeiro a arrebatar os cinco principais prêmios do Oscar (melhor filme, diretor, ator, atriz e roteiro adaptado). E, ainda hoje provoca muitas gargalhadas.
Na sua trama, Claudette Colbert vive Ellie Andrews, filha mimada e impetuosa de um milionário. Quando seu pai (Walter Connolly) se posiciona contra seu desejo de se casar com o playboy King Westley (Jameson Thomas), ela faz birra e foge para viajar sozinha de Miami até Nova York, onde mora. Pela primeira vez na vida ela pega um ônibus, e lá conhece Peter Warne (Clark Gable), um jornalista que acaba de perder o emprego. Embora discutam o tempo todo (a batalha dos sexos típica da screwball comedy), Peter resolve ajudar Ellie. Logo ele descobre quem ela é e reconhece que história pode render um grande furo de reportagem.
O muro de Jericó e a carona
O enredo envereda pelo road movie, e envolve pernoite num hotel e viajar pedindo carona. Frank Capra não desperdiça a oportunidade e transforma essas duas situações em alguns dos momentos mais famosos da história do cinema.
Os pernoites são um primor de alfinetada no Código Hays, as regras de censura dos próprios estúdios implantadas alguns anos antes. Como colocar um homem e uma mulher que não são casados em um quarto de hotel sem ferir os limites de padrão moral desse código? Bem, a solução é genial. Cada um dorme em sua própria cama de solteiro e, entre as camas, estendem um varal e penduram um cobertor nele. Essa separação ganha o apelido de “Muros de Jericó”, que voltará a ser mencionado no epílogo, com óbvias conotações sexuais.
Já a cena da carona é crucial para o desenvolvimento da narrativa. Pela primeira vez, o filme mostra que Ellie não é uma mera menininha mimada. Esperta, e maliciosa, ela usa as suas pernas para conseguir que um motorista pare e ofereça carona. Isso depois de Peter tentar várias vezes do jeito tradicional, ou seja, com o polegar. O equilíbrio de forças no embate entre homem e mulher, aliás, é outra das características desse tipo de comédia.
Colbert
Um dos maiores charmes de Aconteceu Naquela Noite, além daquele inerente à persona de Clark Gable, está no arco da personagem de Claudette Colbert. Quando o filme começa, ela é uma garotinha mimada e verdadeiramente irritante. Faz greve de fome, pula do iate do pai, dá ordens aos funcionários do ônibus etc. Até sua decisão de se casar com o playboy da socialite faz parte dessa pose de adolescente rebelde. Mas, aos poucos, o filme a humaniza, principalmente em suas epifanias durante as estadias em hotéis à beira da estrada.
É claro que o enredo não foge da confusão de todo romance que impede o casal de se amar, porém sua resolução tem um pé na maluquice já com o casamento quase celebrado. Claudette Colbert se encaixa perfeitamente neste papel e entrega a melhor atuação de sua carreira.
___________________________________________
Ficha técnica:
Aconteceu Naquela Noite | It Happened One Night | 1934 | 105 min | EUA | Direção: Frank Capra | Roteiro: Robert Riskin | Elenco: Clark Gable, Claudette Colbert, Walter Connolly, Roscoe Karns, Jameson Thomas, Alan Hale, Arthur Hoyt, Blanche Friderici, Charles C. Wilson.