Já faz um tempo que David O. Russell não dirige um longa-metragem. Desde Joy (2015), para sermos precisos. Russel volta a evocar os valores estadunidenses. Mas, se nesse filme anterior, o valor exaltado era o capitalismo que abria oportunidades a pequenos empreendedores, agora em Amsterdam o que mais importa é a liberdade.
A história se passa no início dos anos 1930, quando os veteranos de guerra Burt Berendsen (Christian Bale) e Harold Woodman (John David Washington) se reencontram e logo se tornam suspeitos de um crime que não cometeram. Então, descobrem que Valerie Voze (Margot Robbie), enfermeira que cuidou e se tornou amiga deles na guerra arquitetou essa reunião. Mas quando os três investigam mais sobre o assassinato, descobrem um complô de dimensões internacionais.
Em Amsterdam, David O. Russell se arrisca num filme diferenciado em sua carreira. E não começa bem, ao usar uma narrativa repleta de humor do personagem Burt, com recursos como o congelamento de imagem, e outros truques modernosos. Parece uma cópia acanhada do cinema de Adam McKay, até pela presença de Christian Bale, ator frequente dos dois diretores. Esse humor contrasta com o que vemos na tela: os estragos da guerra nos corpos dos soldados, que o médico Burt restaura por fora (com precárias plásticas) e por dentro (com medicamentos experimentais). Até mesmo detalhes de uma autópsia entram nessa esquizofrênica primeira parte do filme.
Melhora após o flashback
Em seguida, surge um claudicante flashback, todo estilizado, para mostrar como os protagonistas e alguns personagens secundários se conheceram em Amsterdam. Ainda prevalece a tentativa de mesclar drama e comédia, mas ainda sem êxito. Com boa vontade, justifica-se a direção estilizada (principalmente na montagem que mostra a boa vida que os três tiveram naquela cidade) pelo fato de ser uma lembrança do passado. De qualquer forma, o flashback serve como um divisor de águas, pois daí para a frente o filme melhora. Mas não totalmente, pois durante um tempo a história parece não sair do lugar – um exemplo disso é a longa sequência em que a responsável pela autopsia vai até o consultório de Burt.
Novos personagens surgem na trama, abrindo mais espaço para o elenco recheado de nomes famosos. Entre eles, Robert De Niro, outro ator frequente de Russell, desta vez em um papel que se aproveita do seu status dentro do status quo de Hollywood. Afinal, De Niro interpreta o respeitadíssimo General Gil Dillenbeck, um honrado herói de guerra. Até chegar a ele, os três protagonistas desvendam o tal complô cuja magnitude engrandece o enredo. Para não estragar a surpresa, revelamos aqui somente que seria uma tentativa de implantar o fascismo nos Estados Unidos. Então, imagine o desastre mundial se essa potência se alinhasse à Alemanha e à Itália antes da Segunda Guerra Mundial! E o incrível é que o roteiro se baseia em parte em eventos reais, o que a cena pós-créditos comprova ao alinhar o discurso do verdadeiro general com a mesma fala de De Niro no filme.
Pela democracia
Nessa parte final, o espectador se empolga com a investigação que leva a esse complô e com a torcida para que o general seja íntegro e não ceda às tentações do poder e da riqueza oferecidos pelos grandes empresários por trás de tudo. O discurso pela democracia, parcialmente reproduzindo o que as palavras do real General Smedley Butler, é daqueles momentos engrandecedores que sempre comovem no cinema. Contudo, o diretor David O. Russell ainda quase se sabota com duas cenas equivocadas nas quais ele mostra na tela algo que está somente na imaginação de algum personagem. Por fim, Amsterdam sobrevive pela força de sua história, apesar de suas muitas falhas.
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Ficha técnica:
Amsterdam | Amsterdam | 2022 | 134 min | EUA | Direção e roteiro: David O. Russell | Elenco: Christian Bale, Margot Robbie, John David Washington, Alessandro Nivola, Andrea Riseborough, Anya Taylor-Joy, Chris Rock, Matthias Schoenaerts, Michael Shannon, Mike Myers, Taylor Swift, Timothy Olyphant, Zoe Saldana, Rami Malek, Robert De Niro.
Distribuição: Disney.