O filme Arábia conta a história simples de um trabalhador braçal, a partir de suas anotações num caderno, lidas após a sua morte por André, um rapaz de 18 anos que mora no bairro.
Narrativa original
A narrativa propõe uma solução original para contar a trama. Na sua parte inicial, acompanhamos a vida de André, e os diretores de Arábia, João Dumans e Affonso Uchoa, induzem o espectador a acreditar que ele é o protagonista do filme. Somente após 20 minutos de projeção, surge o título do filme, quando o rapaz retorna à casa de Cristiano, que morreu há poucos dias. Conhecido de sua tia, Cristiano estava escrevendo sua própria história num caderno, e André ficou curioso em lê-lo.
O filme, então, começa inusitadamente com o flashback de um morto, o verdadeiro protagonista. Assim, o relato da vida de André começa em Contagem (MG), quando ele é preso por porte de droga e fica um ano na cadeia. Depois disso, resolve pegar a estrada e se muda para uma fazenda onde trabalha seu primo, perto do Rio Piracicaba. Então, trabalha na colheita de mexerica, mas o patrão não o paga. Cai na estrada novamente e trabalha na obra da construção da rodovia em Governador Valadares, e outros variados trabalhos em diversas cidades mineiras.
Em seguida, encontra uma tragédia e um grande amor, que não resiste a um aborto forçado. Depois, tromba com um colega da prisão e ele consegue um emprego para ele numa fábrica de minério em Ouro Preto, onde o filme começou. E onde Cristiano morre.
Sem pressa
Essencialmente, Arábia não tem pressa para contar essa história. Nesse sentido, a câmera fixa repousa tranquilamente enquanto o protagonista desfruta o momento. E assim se sucedem os fatos, seja no relato do velho Barreto, nas músicas tocadas no violão com o primo, no trabalhador da colheita que conta sobre a vida de Barreto, ou no namoro de Cristiano com Ana.
E, também, na cena em que é contada a piada que empresta ao filme seu título e seu tema principal. Na verdade, um pouco antes de morrer, Cristiano estava pensando em sair da fábrica em Ouro Preto. Afinal, não via mais sentido naquele trabalho, e queria partir para retomar a vida com seu grande amor, Ana. Porém, a sua vida acaba antes que ele pudesse tomar esse rumo.
De fato, Cristiano viveu sua existência como os personagens da piada. E a piada diz o seguinte: pedreiros matutos são contratados para uma obra na Arábia e que sofrem um acidente de avião que os deixa no deserto. Quando eles veem as montanhas de areia do Saara, ficam desesperados, pois pensam que são matéria-prima da obra na qual vão trabalhar. Analogamente, é a mesma percepção do protagonista em relação à vida, que ele vive sem entender o seu real significado. Ou seja, ele passa por vários trabalhos, vários lugares, mas nunca se encontra. E, quando resolve agir com um plano em mente, a morte o impede.
Conexão com a abertura
Finalmente, a conexão com o André, que lê sua história, está na possibilidade de seu relato alertar o rapaz para que ele tenha uma vida mais significativa que a sua. Pouco antes, o diário revela que o jovem morador do local não gosta da cidade, e seus pais não cuidam dele. Então, cabe a ele traçar o plano da vida que pretende levar, sem se tornar mais um personagem da piada dos trabalhadores da obra.
Concluindo, Arábia é conduzido pela narração de Cristiano, a partir das palavras que ele escreveu. Uma história simples, com ritmo mineiro, bem tranquilo. E que convida à mesma reflexão que foi despertada no protagonista a partir do seu exercício de escrita, quando finalmente pôde pensar sobre sua vida. Infelizmente, tarde demais.
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Ficha técnica:
Arábia (Arábia, 2018) Brasil, 96 min. Dir/Rot: Affonso Uchôa, João Dumans. Elenco: Aristides de Sousa, Murilo Caliari, Glaucia Vandeveld, Renata Cabral, Renato Novaes, Wederson Neguinho, Adriano Araújo, Renan Rovida.
Trailer: