Polanski equilibra humor e drama em “Armadilha do Destino”
Roman Polanski imprime em “Armadilha do Destino” (Cul-de-sac, 1966), seu terceiro longa-metragem, um delicioso equilíbrio entre humor e drama. É a história de dois bandidos que chegam feridos à uma praia deserta onde se dirigem a um castelo habitado por um casal. O marido, George (Donald Pleasance), é um quarentão endinheirado que adquiriu a propriedade histórica para viver com sua jovem esposa Teresa (Françoise Dorléac), com quem se casou há dez meses.
Dos dois bandidos, o que está em pior estado é Albie (Jack MacGowran). Alvejado no peito, ele se encontra em estado terminal. Seu comparsa, o grandalhão Richard (Lionel Stander), invade o castelo e coage o casal a os ajudar até que sejam resgatados pelo restante da quadrilha. Quando ele encontra os dois, George está maquiado e vestido como mulher, por aceitar a brincadeira de Teresa, que claramente zomba dele. Mas a chegada dos intrusos levará à tona o fracassado relacionamento do casal, resultando em uma atitude descontrolada por parte do marido frustrado.
Direção
A fotografia em preto e branco de Gilbert Taylor harmoniza a violência de um filme policial com os toques de humor negro enraizados no drama psicológico dos personagens bem construídos. Outra ferramenta para essa leveza do filme é a música de Krzysztof Komeda. Já o ritmo do filme garante sua fluidez através de diálogos interessantes que preenchem a lacuna de recursos estilísticos mais elaborados por parte de Polanski, ainda que presentes em alguns momentos. Por exemplo, o travelling com velocidade irregular acompanhando a chegada do carro dos bandidos ao castelo revela a não planejada parada em um beco sem saída (o “cul-de-sac” do título original), como se hesitassem para lá se dirigirem. Polanski também utiliza o recurso de posicionar a câmera abaixo ou acima da linha do olho para evidenciar a vantagem física de Richard sobre George.
Personagens
A construção dos personagens permite uma leitura de crítica social em relação à sociedade da Inglaterra, onde acontece a história. O castelo e George representam a preocupação com o status social e bens materiais dos britânicos, que anacronicamente ainda idolatram a monarquia. A jovem esposa contrapõe esse pensamento como a alternativa de uma vida mais leve e liberada, inclusive sexualmente, já que a primeira aparição de Françoise Dorleac a mostra parcialmente nua aos beijos com um rapaz na praia, em relação extraconjugal. Richard é o americano dos EUA que invade os europeus com violência e truculência, na época prevendo a ascensão de Richard Nixon à presidência, mas que a atual era Trump se enquadra perfeitamente. Fisicamente, a distinção é evidente: o feioso Donald Pleasance, a belíssima Françoise Dorleac e o grandalhão Lionel Stander.
Os três atores principais encarnam seus personagens com ferocidade e asseguram a credibilidade dos diálogos muito bem escritos. Além deles, o filme traz Jacqueline Bisset em um pequeno papel como uma das pessoas que chegam ao castelo para visitar George.
Em “Armadilha do Destino”, Roman Polanski começa a consolidar sua carreira evidenciando uma marca presente em muitos de seus filmes, que é a exposição do íntimo dos personagens de forma explícita e um tanto cruel.
Ficha técnica:
Armadilha do Destino (Cul-de-sac, 1966) 113 min. Dir: Roman Polanski. Rot: Gérard Brach, Roman Polanski. Com Donald Pleasance, Françoise Dorléac, Lionel Stander, Jack MacGowran, Iain Quarrier, Geoffrey Sumner, Renee Houston, Robert Dorning, Marie Kean, William Franklyn, Jacqueline Bisset, Trevor Delaney.
Assista: pré-estreia de “Armadilha do Destino” em Londres