“As Boas Maneiras” traz a lenda do lobisomem para a São Paulo atual, em tom de fantasia.
A história se inicia há sete anos, quando Clara (Isabél Zuaa) comparece a uma entrevista de emprego para a vaga de babá anunciada por Ana (Marjorie Estiano), uma mulher grávida rica que vive sozinha depois de expulsa pelo pai fazendeiro do interior, porque ficou grávida de outro quando estava noiva. Ana se encanta por Clara na entrevista e ela imediatamente começa a trabalhar em seu apartamento, onde também passará a residir. Enquanto Clara descobre que sua patroa possui um estranho hábito de sonambulismo, as duas se envolvem sexualmente. No momento do parto, um bebê monstro nasce de Ana, matando-a. Sete anos depois, Clara cria o agora menino Joel (Miguel Lobo) como seu filho adotivo, e tenta esconder de todos que ele é um lobisomem.
Começo misterioso
Há muito mistério na primeira parte do filme, enquanto conhecemos as duas protagonistas. A princípio, desconfiamos que Clara possui algum estranho segredo escondido, devido à interpretação dura da atriz portuguesa Isabél Zuaa. Surgem então algumas pistas sobre o que virá em seguida. Os vários pacotes de carne, com muito sangue, que Clara guarda na geladeira, por exemplo. Porém, a suspeita se volta para Ana na sua primeira noite de sonambulismo, quando ela busca essas carnes e as duas se beijam até que a patroa arranha Clara nos ombros e vemos seus olhos transformados.
A noite seguinte sustenta o mistério quando Clara persegue Ana pelas ruas e a observa matando um gato para comer. O terceiro bom momento de suspense é o parto de Ana, dando à luz uma criatura que rompe sua barriga e a mata. Nessa noite, Clara tenta abandonar esse bebê monstro largando-o à beira da Marginal Pinheiros, mas volta atrás. Fecha-se aí a primeira parte e o melhor que o filme tem a oferecer. A partir daí, “As Boas Maneiras” retoma a estória sete anos depois, para contar a estória do menino lobisomem em tom de fantasia, tentando se distanciar do gênero terror ao optar por uma trilha sonora morna nos momentos que poderiam ser assustadores, mesmo com os efeitos visuais fracos.
Fotografia
Se a estória não empolga, o mesmo não se pode dizer da bela fotografia, por conta de Rui Poças. Na primeira cena de “As Boas Maneiras”, Clara fala ao interfone com o porteiro do prédio de Ana, pedindo permissão para entrar para uma entrevista de emprego como babá. A fotografia é clara, quase saturando o branco, incômoda aos olhos. Na sequência seguinte, quando Clara retorna a sua casa à noite, no subúrbio, as cores são fortes, principalmente o vermelho e o verde. Ao fundo, avistamos os prédios de São Paulo de forma estilizada, como uma pintura gótica.
Então, esse tom predominará no resto do filme, especialmente os personagens que aparecem na tela transfigurados em monstros. Fica evidente que, a partir do momento em que Clara entra no mundo fantástico de Ana, a fotografia clara é substituída pelos tons escuros.
Poém, essa fotografia está ligada ao principal problema do filme, que é o de buscar o gênero fantasia ao invés do terror. Talvez a intenção tenha sido seguir a trilha de “A Forma da Água” (The Shape of Water, 2017), de Guillermo del Toro, o grande vencedor do Oscar deste ano. Del Toro igualmente utiliza um monstro para tocar em temas universais como a maternidade e o preconceito, implícitos em “As Boas Maneiras”.
Assim, se o objetivo era conquistar prêmios, deu certo, pois o filme já acumulou 21 premiações em variados festivais. No entanto, seria uma experiência mais gratificante para o espectador se os diretores tivessem optado pelo terror, que o tema pede desde o primeiro momento.
Ficha técnica:
As Boas Maneiras (As Boas Maneiras, 2018) Brasil/França, 135 min. Dir/rot: Juliana Rojas, Marco Dutra. Elenco: Isabél Zuaa, Marjorie Estiano, Miguel Lobo, Cida Moreira, Andréa Marquee, Felipe Kenji, Nina Medeiros, Neusa Velasco, Gilda Nomacce, Eduardo Gomes, Hugo Villavicenzio, Adriana Mendonça, Germano Melo, Naloana Lima, Clara de Cápua.