Bem-vindos à Bordo (Rien à Foutre) tem a intenção de quebrar a falta de ousadia do cinema francês contemporâneo. São os tais “filmes do meio”, como apropriadamente alcunhou o professor Sérgio Alpendre em sua crítica de Os Amores Dela (Les Amours d’Anaïs, 2021) para o Leitura Fílmica. Alpendre explica que são filmes de “orçamento médio, ambições estéticas modestas, comunicabilidade e uma sensação de sofisticação”.
De fato, assim como fizeram os nouvellevaguistas em relação ao realismo poético francês, a dupla Julie Lecoustre e Emmanuel Marre impõe com rebeldia o estilismo desse primeiro trabalho em conjunto. A começar pelo seu título original, cujo termo se traduz como um direto “foda-se”.
Mas, já (mal) acostumado a esses filmes do meio, vejo os primeiros momentos de Bem-vindos à Bordo, um registro quase documental com cortes abruptos e planos descuidados, pensando que se trata de um prólogo. E, como tal, com um estilo ousado que depois seria abandonado para cair no classicismo habitual. Mas não, o filme inteiro é assim, durante suas quase duas horas de duração. Claro que chega um momento que essa anarquia cansa. E até se aproxima dos reality shows americanos, principalmente quando filma pessoas aleatórias que falam com a protagonista Cassandre (Adèle Exarchopoulos) como se não estivessem cientes de que estavam sendo filmadas, ou sejam como se a câmera estivesse escondida.
Registro autêntico
Essa estratégia se adequa à narrativa, o que justifica o seu uso e até nos faz relevar seus problemas. Afinal, dá autenticidade ao registro do dia a dia de uma comissária de bordo, tanto durante o trabalho extenuante quanto nos poucos momentos de lazer. Percebemos que se trata de uma vida pilhada, e por isso a companhia aérea demanda uma carreira “up or out”, em outras palavras, promoção ou demissão. Para Cassandre, isso é ruim, porque ela preferia continuar como comissária, mas precisa entrar num treinamento para gerente de cabine. Não se dá tão bem na nova função e acabará dispensada, o que a leva de volta para a casa onde morava com os pais.
Então, a perspectiva muda do trabalho para a vida pessoal. Marcando essa transição, temos o momento mais sentimental do filme. Durante uma conversa com a operadora de telefonia, Cassandre sente a tristeza pela perda da mãe, morta num acidente automobilístico há poucos anos, e não contém suas lágrimas. Um registro que parece verdadeiro, pela atuação de Adéle Exarchopoulos e pelo estilo de direção. Mas, a partir daí é que o filme perde o fôlego.
A vida em casa com o pai e com a irmã já não mantém o interesse como quando descobríamos o cotidiano da Cassandre como comissária de bordo. Por fim, em seu último ato de rebeldia, a dupla de diretores encerra o filme sem uma conclusão de fato. A protagonista agora seguirá sua carreira em uma companhia melhor. Poderia ser um desfecho empolgante, pois é um emprego que Cassandre achava que nunca conquistaria. Mas não é essa a proposta dos seus realizadores.
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Ficha técnica:
Bem-vindos à Bordo | Rien à Foutre | 2021 | 115 min | França, Bélgica | Direção: Julie Lecoustre, Emmanuel Marre | Roteiro: Julie Lecoustre, Emmanuel Marre, Mariette Désert | Elenco: Adèle Exarchopoulos, Alexandre Perrier, Mara Taquin, Arthur Egloff, Tamara Al Saadi, David Martinez Pinon.
Distribuição: Synapse.
Trailer:
Assista em: https://youtu.be/6hFuj9SxntA