Boa Noite, Mamãe (2014) é o surpreendente filme de estreia da dupla austríaca Severin Fiala e Veronika Franz. O resultado impactante desse longa de suspense e terror os levou à coprodução britânica/estadunidense O Chalé (The Lodge, 2019), estrelado por Riley Keough. Em ambos os filmes, as crianças são a fonte do medo.
O mistério do rosto coberto por ataduras traz à mente dois clássicos do cinema. Um deles é A Face do Outro (1966), ficção-científica existencialista de Hiroshi Teshigahara. O outro é Os Olhos Sem Rosto (1960), terror de Georges Franju que prima pela sutileza. Desta vez, as ataduras cobrem o rosto de uma mulher após uma cirurgia. Quando ela retorna para casa, os filhos gêmeos, diante dessa mulher com o rosto coberto, suspeitam de que ela não é a sua mãe, mas uma impostora. Os pesadelos dos meninos sugerem que seja uma entidade sobrenatural. Curiosamente, numa cena os gêmeos despertam do pesadelo ao mesmo tempo, o que se justificará ao longo da trama. Nessa primeira parte, o filme explora o terror direto nessas visões, com o rosto que se movimenta aceleradamente e o corte na barriga de onde saem insetos. E, também, o terror comportamental, de uma mãe que parece assustadora por não mostrar nenhum afeto pelos filhos. Pelo contrário, só os agride, verbal e fisicamente.
As ataduras, enroladas de uma maneira estranha, se tornam uma máscara aterrorizante. A boca parece enorme e com as pontas viradas para cima, o nariz se sobressalta e os olhos têm sangue neles. E, mesmo após retirar as faixas, a mãe continua amedrontadora. Junte isso à intransigência exacerbada da mãe, e logo compartilhamos da mesma desconfiança dos gêmeos.
Várias camadas sob as ataduras
Mas o filme se diferencia porque surpreende com suas outras camadas. A dica de que haverá uma reviravolta se revela nos duplos. Ou seja, no vidro que reflete a imagem da mãe enquanto ela o limpa, bem como na própria essência dos irmãos que, por serem gêmeos, já nasceram com o seu duplo. O enredo espertamente explora essa ideia do duplo para derivar a (primeira) virada na trama. Então, surge a revelação de que aconteceu um acidente e a separação dos pais, o que é crucial para o comportamento desestabilizado dessas pessoas, mas que ainda deixa em aberto a indefinição a respeito de para onde a narrativa seguirá. Na conclusão, uma nova surpresa aguarda o espectador.
Contribui para esse sufocante mistério o uso de muitas elipses por parte dos diretores do filme. Por um lado, para não colocar na tela cenas de violência, principalmente contra crianças. Por outro, para gerar mais suspense, como os fade-outs para a tela preta que permanece por um tempo maior do que o habitual. Mesmo assim, Boa Noite, Mamãe traz imagens chocantes de violência que ficam na memória do público.
Apesar disso, nem tudo funciona perfeitamente na trama. Os agentes da Cruz Vermelha que entram na casa só para criar aquela sensação de “quase descobrir a verdade”, por exemplo, é uma situação forçada demais. Além disso, a própria ideia da cirurgia no rosto logo após esses eventos traumáticos (o acidente a separação) não convence.
Mas, Boa Noite, Mamãe merece os elogios que recebeu, pois tem essas várias viravoltas que desconcertam o espectador. E um trio de personagens que permanece sinistro do primeiro ao último minuto. Por fim, fica a notícia de que, como sempre acontece, a indústria hollywoodiana resolveu fazer uma refilmagem desse filme, a ser lançado em 2022.
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Ficha técnica:
Boa Noite, Mamãe | Ich seh, Ich seh | 2014 | 99 min | Áustria | Direção e roteiro: Severin Fiala, Veronika Franz | Elenco: Lukas Schwarz, Elias Schwarz, Susanne Wuest, Hans Escher, Elfriede Schatz.